E os príncipes virarão sapos
Acabo de me convencer que não são apenas as mulheres apaixonadas que possuem esta mirabolante capacidade de descobrir heróis e salvadores inexistentes. Também o somos, todos nós, homens e mulheres imaculadamente arrogantes de nossa pressuposta sensatez. Pois acabamos de inventar um punhado de príncipes pelo Brasil afora nas eleições de outubro. Mas o avesso da lenda mostrará que, mesmo sem beijo algum, alguns deles se transformarão rapidamente no que sempre foram, isto é, meros sapos de brejo.
Boa parte da desilusão virá diretamente da frustração dos eleitores despreparados, mas, mesmo os mais qualificados lamentarão suas escolhas muito rapidamente. Isto se deve, creio, aos precários critérios adotados na formação de quadros partidários, incapazes de acolher somente os mais aptos, íntegros e capazes, única forma de tirar o país da fossa – uma mistura de cloaca e fundo do poço.
Há quase vinte anos publiquei num jornal uma matéria quase de mesmo teor, na qual manifestei minha preocupação com os candidatos que são despejados na sala principal dos palácios de governo sem conhecer o mínimo exigido das regras de funcionamento da máquina pública; é muita autoridade para pouco conhecimento. Uma vez sentados nos tronos ficarão à mercê de amarra-cachorros servis e de vis bajuladores. Um cenário em que os melhores, os críticos sinceros e desinteressados, não são ouvidos. As coisas podem até funcionar, mas dentro dos limites restritos de uma visão tacanha e burocrática, empurrando os problemas com a barriga e assinando o que lhes cai na mesa de trabalho.
A culpa não é só dos príncipes, mas também dos súditos-eleitores, que engolem as vãs promessas repetidamente, sem o menor ajuste crítico, como o de avaliar as consistências técnica, temporal e financeira de seus projetos de governo. Quando candidatos, não se preocupam com a verdade do orçamento e dos elementos geradores de gastos. Em geral, por desconhecê-los, herdam apenas os filhos da viúva, nunca seus ativos.
Mesmo para quem não tenha a visão utópica da República de Platão, administrar é ser essencialmente justo com a população. Para isto, é preciso gastar o dinheiro público como se fosse coisa própria. É preciso ter pouca afeição pelo conforto do Gabinete e muito pelo contato com as pessoas, sobretudo as representativas das diferentes classes sociais. É preciso ter muita identificação com o ótimo e, por extensão, com a otimização. E, principalmente, é necessário suprir as carências com muita criatividade e trabalho.
Espera-se que os eleitos sejam multiplicadores de pães, não provedores de pão e circo. Um verdadeiro governante não cai na tentação imediata e demagógica de fazer o papel de provedor paternalista quando a melhor receita é o remédio amargo. Se é verdade que cada povo tem o governante que merece, a recíproca não deve ser verdadeira. Um homem público tem a obrigação de ser melhor que o povo, pelo menos no campo das virtudes. E, sobretudo, tem de saber reconhecer a vocação do território que governa.
Torço para que todos os eleitos captem muito mais que as mensagens das urnas, geralmente constituídas de uma boa quantidade de equivocados e de ingênuos. E, sobretudo, torço para que exerçam seus mandatos com honradez, como se fosse a única e derradeira oportunidade que tiveram na vida de servir, sem sequer almejar um futuro nome de rua.
E que justifiquem a esperança neles depositadas, como se príncipes fossem. Precisamos do que nos é carente: de executivos que não se envergonhem da missão de estadista, mesmo quando o Estado é estado mesmo.
No Brasil virou moda governar com um olho no presente e o outro no futuro palanque. Tomara que os eleitores brasileiros tenham aprendido a lição de aposentar esses políticos carreiristas cercados de bajuladores, maus conselheiros, amigos e apadrinhados de toda a espécie. E que os afaste definitivamente do lago onde a princesa os libertará com um beijo.
(Cornélio Zampier Teixeira: E os príncipes virarão sapos. In: DISSO E DAQUILO. Inédito, 2018)