COLÔNIA DE CIGARRAS

Adoro ouvir o canto de uma cigarra, num jardim, anunciando o verão que vai chegar, pois esse som me trás a lembrança de tardes quentes e gostosas, convidativas ao lazer. Há quem diga que as cigarras cantam até morrer, mas isso é lenda. A verdade é que entre esses insetos, só o macho é que canta, e o seu canto tem a finalidade específica de atrair fêmeas para o acasalamento. Cantar faz com que o órgão sexual da cigarra-macho fique intumescido e pronto para receber a parceira.
Não sei por que o canto da cigarra me trouxe à mente a crise por que passa o estado do Rio de Janeiro. Talvez seja lembrança da cidade de Conservatória, bucólico distrito de Valença, cidade fluminense que ainda mantém a tradição da serenata; ou os fundos dos quintais das casas cariocas que não passam fim de semana sem uma roda de samba; ou então as deliciosas praias do Rio e por fim, como não podia deixar de ser, o Carnaval, a Copa do Mundo, as Olimpíadas...
Os cariocas nunca foram folgados, como muita gente gosta de dizer, mas já faz tempo que o Rio concentra suas rendas nas atividades da Petrobrás. Lembro-me de um cronista esportivo paulista que criticava o fato de a Petrobrás patrocinar só o Flamengo. “A Petrobrás”, dizia ele, “pertence ao Brasil e não aos cariocas”. Esse cronista dizia também que o Rio parecia uma imensa colônia de cigarras que só esperava o início do verão para começar a cantar. E a Petrobrás era a floresta, que com suas raízes feitas de petróleo, as alimentava.
O petróleo não acabou, mas os royalties que ele paga aos estados produtores já não produzem seiva suficiente para que os alegres cariocas continuem vivendo como cigarras. Até porque, desde os tempos do Brizola, com seu “socialismo moreno”, essa colônia só fez crescer. O Rio tem mais funcionários públicos e aposentados por metro quadrado do que Brasília. Os governos que se seguiram ao velho caudilho gaúcho só contribuíram para aumentá-la. E pior que isso, solaparam, pela corrupção, desmandos e má gestão, a floresta que lhes fornecia a seiva.  Do Brizola para cá ninguém se salva. Até o Pezão acaba de ir para a cadeia. 
Agora o canto das cigarras, no Rio, já não mais prenuncia a chegada do verão, mas sim, uma estação do mais rigoroso inverno. As cigarras cariocas agora cantam nas ruas, não mais saudando o verão que se anuncia, mas a penúria do inverno que bate em suas portas.
Irresponsabilidade fiscal, falta de juízo financeiro, corrupção dá nisso. Os cariocas devem estar saudosos dos tempos em que a malandragem da cidade se concentrava nos morros e nos neguinhos bons de samba e de briga. Ou na antiga CBD, cujos dirigentes,quando tinham de fazer sorteios onde estava envolvido um clube do Rio, colocavam a bolinha dos cariocas na geladeira, no dia anterior.
Franz Steiner, meu primeiro patrão, um professor alemão, austero e circunspecto, ao me entregar o meu primeiro pagamento, me disse: “lembre-se, meu filho. Difícil não é ganhar dinheiro. Difícil é saber como gastá-lo.” Nossos governantes deveriam ler diuturnamente a fábula da cigarra e da formiga. Para que o alegre canto de verão não se transforme perenemente em tragédia glacial, como a que hora tira o sono da feliz colônia de cigarras, outrora carioca,  hoje fluminense.