PARA O BEM DA OPOSIÇÃO, DEFINITIVAMENTE, ELE NÃO!
Bolsonaro nunca foi nem será problema da esquerda.
Faltou combinar isso com ela.
Claudio Chaves
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Parece que o estado de delírio que acometeu os bolsonarianos (deixar pra trás o socialismo e o comunismo... sepultar o Foro de São Paulo... acabar pra sempre com a esquerda...) é contagioso e atingiu também os seus desafetos do lado oposto (Temos que acabar com Bolsonaro... temos que ser resistência... acabamos com ele ou ele acabará com o Brasil...).
Apesar de terem se tornado clichês expressões como: “somos um país democrático”, “o Brasil é uma Democracia” “somos um Estado Democrático e de Direito” e similares, o pessoal da esquerda parece não ter entendido ainda (ou se recusa a reconhecer) que nesse modelo de sociedade quem tem a última palavra sobre poder não é nenhuma pessoa ou instituição, mas o povo; e não é qualquer poder, mas TODO PODER.
Feitas tais considerações, cabe deixar claro que, há dois anos, Bolsonaro aparecia com 4% das intenções de voto, e era visto como uma piada, inclusive pela esquerda, que errou não em subestimar necessariamente o próprio, visto que ele, em si, continua sendo a mesma coisa (um político profissional sem nenhum feito relevante, dissimulado, arrogante, extremamente demagogo, oportunista, controverso, ignorante em todos os sentidos e quase completamente vazio de conhecimento de quase tudo – o que poderá, caso ele queira, mudar completamente a partir de sua posse), mas em subestimar a dimensão da frustração e descontentamento da população com o amadorismo da própria esquerda e, em grande medida, o elevado nível de desonestidade de suas principais lideranças e, por conseguinte, fontes de inspiração.
Se a piada virou um monstro, alguém a alimentou. Este alguém chama-se povo. “Ah, mas o povo foi manipulado”, pode-se, com toda razão, argumentar. Isso não muda nada. Ao contrário: se a esquerda ou as chamadas forças democráticas estão, grosso modo, no comando central do país desde a chamada redemocratização (há exatos 30 anos) e o povo ainda é tão manipulável, isso apenas reforça o amadorismo ou incompetência desse campo político-ideológico no que respeita a consolidação de seu projeto de sociedade.
Convenhamos, uma sociedade politizada, acompanhando espontânea e conscientemente uma concepção política por três décadas, não se insurgirá contra ela, exigindo, inclusive, o seu total desaparecimento, em apenas dois anos e, pior, fundando seus principais argumentos em fantasias e ilações caluniosas.
Quanto mais a esquerda hostilizar o eleitor com rótulos, como: marionete, fantoche, alienado, odiento, etc., além de distanciá-lo, mais evidente se tornarão sua incompetência e inabilidade políticas; pois todas essas qualidades são indicativos claros de uma sociedade que ainda não se emancipou política nem socialmente, uma das, senão a principal, atribuições de qualquer verdadeira social democracia – o que os partidos que governaram o país no período supracitado alegam ser.
Da mesma forma, quanto mais apontar falhas ou supostos crimes do novo governo, mais colocá-lo-á em evidência e mais aumentará a paixão de seus apoiadores, como aumentará, concomitante e proporcionalmente, a antipatia destes para com os opositores, mesmo que em muitos casos a oposição esteja correta.
Por outro lado, para não ser tão prolixo, a esquerda poderia apenas observar que, apesar de toda a bravata do chamado mito e do estardalhaço em torno de sua meteórica ascensão e de suas populistas e sensacionalistas ameaças, dos mais de 140 milhões de brasileiros aptos a votar, quase 90 milhões (praticamente dois terços) rejeitaram o projeto de sociedade proposto por ele e seus apoiadores. Isso não é pouca coisa. Destes, mais de 40 milhões demonstraram algum tipo de insatisfação que os faz recusar-se a tomar parte ativa e comprometedora no processo eleitoral – uma forma, embora indireta, de negação da Política, ou pelo menos de parte dela –, preferindo votar em branco, anular o voto ou simplesmente deixar de votar.
Apenas a aproximação desses desapontados, procurando entender as razões de seus posicionamentos já, surtiria, a meu ver, resultados surpreendentes – já nas eleições municipais vindouras – e muito mais eficazes na reconstrução e reestruturação da esquerda brasileira do que essa paranoia de tentar desconstruir o mito. Ora, mito é mito! Quem o venera ou acredita em sua sobrenaturalidade, obviamente não o faz valendo-se de fundamentos racionais. Torna-se, portanto, tão desprovida de racionalidade quanto ou mais a tentativa (inócua) de arrefecimento desse tipo de crença através de argumentação meramente lógica e/ou racional.
Por que esses mais de 40 milhões contestam o atual modelo político a ponto de não quererem se envolver minimamente, apenas indo ao local de votação e escolhendo uma das duas opções? Se este modelo não os contempla, não atende, não corresponde as suas expectativas, qual eles propõem? Como se implantaria esse outro possível modelo de sociedade? A atitude desses eleitores – cujo número cresce a cada eleição – é uma contestação da Política ou dos “políticos”? O que é preciso mudar, adaptar, excluir, renovar, acrescentar, substituir...para que eles decidam participar? Se o problema não é o sistema, o que falta pra eles então?
Há muitas coisas – menos onerosas e mais eficazes do que ficar tentando, em vão, desconstruir o mito – que a esquerda pode (e deve) fazer para se reinventar, se reestruturar e ocupar, de novo, seu lugar ao sol. Se apenas tentar, de forma sistemática e eficiente, a aproximação com esse público específico, já estará dando um dos passos mais significativos nessa direção, e os resultados poderão se mostrar já nas eleições municipais de 2020.
Se Bolsonaro é (ou vier a ser) um problema, deve ser para os que nele acreditam, não para quem sempre o contestou. O problema de quem o contesta tem sido, até aqui, não ter demonstrado competência suficientemente capaz de convencer que é alternativa melhor e mais confiável; só isso.