A democracia ainda respira, afinal

O fim da temporada eleitoral, marcada pela vitória de Jair Bolsonaro, foi motivo de júbilo para alguns e de pesar para outros. Quanto a mim, não estou dentre os responsáveis porque o "Mito" ganhou, tampouco estaria se o resultado tivesse sido favorável a Haddad. Anulei o meu voto e, sendo franco, não me arrependo de tê-lo feito, pois nenhum dos dois considerava suficientemente digno dele, com a licença dos que discordam.

Pondo agora de lado as simpatias e antipatias que tinha por um ou por outro candidato, e adotando uma abordagem pragmática, sou forçado a reconhecer, embora não o queira, que sob o ponto de vista da democracia, o desfecho não foi de todo negativo, como muitos pintam.

Ora, tendo em vista o histórico de Bolsonaro, o receio de alguns e a esperança de outros era que ele instaurasse um governo semelhante ao Regime Militar de 1964. Embora não descarte de todo essa possibilidade, sobretudo considerando a relativa inconstância do presidente eleito, acredito que ela se tornou agora mais distante do que já era, a começar pelo fato de que muitos dos que votaram em Bolsonaro somente o fizeram não porque queriam uma ditadura, mas sim a saída do PT do poder. Além disso, prováveis pretextos como fraude nas urnas e ameaça comunista, que foram o estopim, no passado, dos golpes de Estado, perderam força, em maior ou menor grau, com a vitória do 17.

Diante disso, se algum dia fez parte das pretensões de Bolsonaro tornar-se um ditador, melhor para ele teria sido uma vitória de Haddad. Como, todavia, não foi isso o que aconteceu, tentar uma tomada de poder, nas atuais circunstâncias, seria uma manobra sobremaneira arriscada, e com grandes chances de fracasso.

Além do mais, devo confessar que nunca levei a sério as ameaças de uma ditadura bolsonarista ou lulista, quer pelas dificuldades que uma ou outra enfrentaria para se manter, tendo em vista uma série de fatores, a começar pelo arcabouço social do Brasil hoje; quer pelo desinteresse de ambos em fazê-lo, visto que as instituições, tal qual estão estruturadas, são bastante benéficas aos dois.

Um outro fator que me faz encarar o resultado das eleições de forma um pouco mais otimista do que muitos foi a composição do Congresso Nacional. Há, ao menos a priori, um certo equilíbrio entre a bancada governista e a oposição, de modo que muitas das promessas de campanha de Bolsonaro, especialmente aquelas mais polêmicas, em tese, enfrentarão dificuldades para serem aprovadas, e a recíproca no tocante à esquerda também é verdadeira.

Creio, aliás, que a "praxe" democrática já começa a se descortinar para o Presidente eleito. Em suas primeiras entrevistas, Bolsonaro acena para uma conciliação com o Supremo Tribunal Federal; e, segundo consta, orientou o seu partido a manter Rodrigo Maia na presidência da Câmara. Já propôs, inclusive, iniciarem-se as votações de medidas polêmicas como a Reforma da Previdência e a flexibilização do Estatuto do Desarmamento ainda esse ano, no governo Temer.

Toda essa postura faz parte das articulações políticas, e Bolsonaro em breve perceberá, se já não sabe bem, que até o "toma lá da cá" é medida por vezes necessária para governabilidade.

Não são, todavia, os méritos e deméritos do futuro governo Bolsonaro o que importam, por ora. Com o resultado das eleições já definido, teremos quatro anos para escrevermos outros tantos artigos ressaltando-os, e já me causa um certo alívio saber que, ao menos a priori, poderei fazê-lo.

De fato, depois do turbilhão eleitoral que vivemos, numa temporada marcada por tumulto, por polêmicas e por uma polarização tão nefasta, acredito que seja um bom, embora modesto, motivo para se alegrar que a democracia ainda respira, afinal, em circunstâncias semelhantes, no passado, ela não resistiu.

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*NOTA DO AUTOR: Este artigo representa a minha opinião acerca do conteúdo nele exposto. Se você não concorda, respeito seu posicionamento, e as eventuais réplicas, quando pautadas do diálogo e na aquisição de conhecimento são sempre bem-vindas.