PONEROS

 
(...) sentíamos que algo estranho tinha invadido nossas mentes e algo valioso estava se esvaindo de forma irreparável. O mundo da realidade psicológica e dos valores morais parecia suspenso em um nevoeiro gelado. Nosso sentimento humano e nossa solidariedade estudantil perderam seus significados, como também aconteceu com o patriotismo e nossos velhos critérios estabelecidos. Então, nos perguntamos uns aos outros, “isso está acontecendo com você também?” (Andrew Lobaczenski).


A citação acima foi extraída do livro Ponerologia: Psicopatas no Poder. Ed. VIDE Editorial, tradução de Adelice de Godoy. Escrito pelo doutor Andrew Lobaczenski, onde ele próprio explica o conceito do título: “Poneros”, em grego, significa “o mal.” (p.8).

Os estudos de Lobaczenski apontavam os traços dos novos dirigentes da época, (1946). Seguem as palavras do pesquisador: “o traço dominante no caráter dos novos dirigentes, que davam o modelo de conduta para o resto da sociedade, era inequivocamente a psicopatia. O psicopata não é um psicótico, um doente mental. Só lhe falta uma coisa: os sentimentos morais, especialmente a compaixão e a culpa [...].”


A partir das citações pretendo discorrer sobre qual é a analogia entre as ideias do doutor Lobaczenski e a atual situação brasileira. Desde as eleições de 2014, o Brasil assumiu uma postura, até então inédita, ou melhor dizendo, a população passou a canalizar uma rusga iniciada entre dois partidos de projeção do cenário nacional, em seguida a intolerância, o ódio e o preconceito assumiram as rédeas da situação.

Brilhantemente, e através da frieza moral dos atores políticos foi fácil controlar e manipular as emoções do povo, assim os dirigentes aprenderam a utilizar tais habilidades, das quais, a sociedade foi o meio para atingir os seus fins, produzindo a discórdia e a divisão da nação. Aqui peço licença ao leitor para citar o poeta francês Charles Baudelaire: “o truque mais esperto do diabo é convencer-nos de que ele não existe.” Explico tal pensamento: ao lançar a bomba relógio recheada de denúncias iniciou-se uma fase de trocas de acusações, em seguida os escândalos de corrupção, as primeiras prisões de homens, até então considerados intocáveis, e finalmente o pesadelo dos envolvidos; a Lava Jato. E nesse ponto se adequa o pensamento de Baudelaire, os canibais do povo precisavam desesperadamente se isentar de seus atos criminosos e a fórmula para isso foi convencer as pessoas que nada daquilo existiu, dando ensejo a divisão do país, pois assim as pessoas passariam a brigar e a odiar umas às outras poupando os verdadeiros responsáveis pelo fundo do poço que se encontra o país.

Para corroborar quero transcrever uma alegoria demonstrada muito bem na narração da professora de Filosofia Lucia Helena do Instituto Acrópole, sobre o pássaro Cuco: o cuco possui um hábito peculiar para perpetuar sua prole, ele vai até o ninho de outras aves, joga os ovos delas fora e põe ali seus próprios ovos para a outra espécie chocar, passado algum tempo os ovos eclodem e os pássaros que cuidaram do ninho ficam sem entender o que aconteceu, pois em nada se parecem os filhotes com eles e, mesmo sem compreender os supostos pais criam aquelas ‘criaturas’.

É isso que vem acontecendo com a sociedade, alguém sutilmente deposita uma ideia em sua cabeça sem que você perceba, em seguida essa ideia é chocada trazendo ares de que ela pertence a você e, então os indivíduos passam a amar ou odiar pessoas que nunca lhe deram um bom dia, pessoas que talvez, jamais venham a conhece-lo(a), e como numa hipnose coletiva defendem tais atores recorrendo as vias de fato ou a consequências mais violentas- leitor está entendendo o poneros?- e no pleito deste ano as mesmas ciladas são armadas para dar continuidade a pretensão dos candidatos, mas com um toque a mais, ou melhor, hoje não existe mais a figura do adversário político e sim do inimigo político.

Hodiernamente, a falácia dos candidatos produziu uma multidão para chocar ‘ovos de cuco’, e o plano tem obtido muito sucesso. Vivemos um clima de assombro por conta disso, os eleitores além de defender seus representantes cegamente, também acreditam que os problemas econômicos, socias, políticos e institucionais serão solucionados a partir da posse no mês de janeiro, ou algo como diria Marcus Limonis do programa O sócio: “(...) você espera que eu chegue aqui com um pozinho mágico e faça materializar um milhão de dólares para resolver seus problemas?”

Não haverá solução mística ou um pozinho mágico para colocar o país novamente nos trilhos, mas os candidatos insistem em afirmar ser possível, contudo, (e através dos bastidores), sem que o povo perceba; isso não é tão importante. O importante é continuar com o discurso divisório por mais quatro anos, pois dividir é conquistar, e até lá trabalhar em prol da reeleição, (mas, o povo não pode saber! Daremos a ele mais ovos de cuco). Compreendem agora o poder do poneros?

Madeleine Albright, ex secretaria de Estado norte americano tem 81 anos e ministra aulas de diplomacia na Universidade Georgetown, em Washington. Ela explica em seu novo livro o que a incomoda e olhando a situação atual de vários países, entre eles, o Brasil. Albright diz que: “as divisões sociais entre ricos e pobres têm aumentado e a tecnologia tem feito com que muitos percam o emprego. Vários lideres têm tentado emendar essas fissuras sociais, mas acabaram fazendo com que elas se aprofundassem ainda mais.”
Seguindo ainda com as ideias de Albright, ela vai além: “em tempos de crise, as pessoas tendem a prestigiar quem promete resolver tudo de um jeito simples e rápido. Fascistas como Mussoline e Hitler tiveram apoio na sociedade e chegaram ao poder por vias constitucionais. Eles se aproveitaram de momentos de depressão econômica e insatisfação com o governo [...] os brasileiros, assim como os americanos, estão desapontados. É nesse contexto que muitos pensam em optar por uma solução diferente, um atalho. Depois que perdem a liberdade e a independência, eles passam a almejar esses princípios novamente. (Revista Veja, edição 2604, pgs. 11, 12 e 13).

Timothy Snyder, autor do livro: Sobre a Tirania, ed. Companhia das Letras, disserta sobre a obediência cega: “não obedeça de antemão, a maior parte do poder do autoritarismo é concedido voluntariamente. Em tempos como estes, as pessoas calculam com antecedência o que um governo mais repressivo pode querer, e muitas vezes oferecem sua adesão sem que sejam solicitadas. Um cidadão que procede dessa maneira está ensinando ao poder o que ele deve fazer.”

O escritor e jornalista Olavo de Carvalho exemplifica que: “o Brasil, através do governo anterior garantiu setenta mil homicídios por ano, o crescimento recorde do consumo de drogas, o aumento da corrupção até a escala do indescritível, cinquenta por cento de analfabetos funcionais entre diplomados das universidades e, anualmente, os últimos lugares para os alunos dos nossos cursos secundários em todos os testes internacionais, abaixo dos estudantes de Uganda, do Paraguai e de Serra Leoa.”

Este artigo não trás em seu bojo a intenção de induzir o leitor a votar nesse ou naquele, pois o texto foi elaborado com imparcialidade a fim de gerar nos eleitores um instante de reflexão e que existe algo que possamos fazer para nos prevenir destas pessoas.


Para arrematar, talvez, nem todos saibam, mas na cidade de Paris, a Cidade - Luz existe um brasão que representa um navio e um emblema escrito: fluctuat nec mergitur, em tradução livre significa: “as ondas o abalam, mas não o afundam.” Freud citou este lema mais de uma vez, em relação ao seu próprio estado de espírito. Assim, somos diariamente abalados com argumentos distorcidos e contraproducentes através de fake news, bots, the followers factorys, trolls e as grandes “Fazendas”. Contudo, isso não me afundará, e tão pouco me convencerá a chocar ovos de cuco.










 
Rubemar Alves
Enviado por Rubemar Alves em 20/10/2018
Reeditado em 20/10/2018
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