A fraqueza dos planos de segurança de Bolsonaro e Doria (I)
Neste momento eleitoral, quando os candidatos Jair Bolsonaro e João Doria falam de segurança com uma firmeza que os faz parecer donos do monopólio da verdade, cidadãos mais reflexivos ficam com a impressão de que eles usam esse discurso como uma isca para atrair a população - que de resto vive abandonada à própria sorte, nas mãos de bandidos cada vez mais armados e que via de regra não tem recursos para pensar desapaixonadamente o palavrório dos candidatos.
Uma análise lógica e filosófica - mas não necessariamente complexa - das ideias de segurança pública propostas por esses políticos radicais mostra que elas são muito precárias. Poderíamos - e deveríamos - fazer isto com todos os candidatos, porém com base nas indicações aqui delineadas, o leitor poderá prosseguir por si. O motivo de concentrarmos nesses dois é que, para além da notoriedade de suas propostas, eles dão garantias extraordinárias de eficácia, sem espaço para maiores discussões - garantias essas infelizmente sem o devido lastro, como se verá.
Antes de iniciarmos a nossa tarefa, porém, duas observações breves, mas fundamentais, sobre a força policial:
1) Policial não é assassino; ele não tem uma autorização para matar, como o James Bond. Ele é um agente da Lei, com responsabilidade, que atua em uma função nobre, qual seja, a de vigiar e guardar a cidade. Desde os tempos antigos sempre existiu essa figura, e até o apóstolo Paulo reconheceu a sua importância e dignidade, num tempo em que o Cristianismo era de fato uma religião pacífica.
Em suma, o policial é um servidor do país e do povo. É importante termos essa consciência, para enobrecermos a sua figura - e não para a vilificar. E é por isso mesmo que ele tem de responder a algum processo se, no desempenho legítimo de sua profissão, precisou matar alguém, seja quem for. Afinal, não vivemos numa barbárie, mas num regime que prevê a força de segurança. E a este regime constitucional o policial se reporta, sendo-lhe sujeito, para a sua própria garantia, como emissário de um Estado que o paga e que o tem como agente de vida, não de morte.
2) Policial não é super-herói; ele não se levanta de manhã ávido por aventuras, por um bom tiroteio, como se vivesse no Oeste selvagem. Não! Policial é um ser humano, sujeito aos mesmos medos e paixões que os outros cidadãos. Ele vai para o trabalho preocupado com a sua vida, pois não sabe se voltará, num campo de guerra tal como o Brasil se tornou. Assim, vê-lo como mera força repressiva do crime, armando-o até os dentes como se isso fosse suficiente, é negligenciar a humanidade desse agente da lei. O policial precisa de cobertura quando em ação - muitas vezes ele está sozinho, abandonado à sua sorte, em lugares escuros e perigosos; ele carece de acompanhamento psicológico (inclusive para a sua família), salários condignos, lazer, a companhia de amigos em geral (e não somente de outros policiais), etc.
Isto posto, convidamos o leitor a um passeio filosófico e exegético pelo discurso dos políticos citados, após uma olhada no programa de governo para segurança e educação, de Bolsonaro.
De início, quer me parecer que o problema da violência no Brasil se constitui ao menos de duas portas, fato aparentemente ignorado por esses candidatos. Eles recitam o velho bordão do "polícia na rua e ladrão na cadeia" nos discursos políticos. Ou então: "vamos pôr a Rota na rua". Mas esta é apenas a porta de saída do problema. Ora, ainda que se admita que numa campanha não se devam aprofundar as propostas por uma questão de marketing eleitoral, ainda assim fica uma impressão de pobreza conceitual no que eles sugerem para a nossa segurança.
Vejamos. A porta de saída é a rua: lá estão os criminosos. Lá também deve estar a força policial para sua repressão, bem dirigida, com cobertura adequada, armas, comunicações, estratégias de controle da situação e tudo o mais. Afinal, enfrentar bandidos não é um oba-oba!
Aqui termina o plano de candidatos como Bolsonaro e Doria - justo quando deveria ser o começo! Pois, por trás dessa força militar atuando na linha de frente, deve existir um bom serviço de inteligência, com informações para prevenir o crime e a morte de pessoas inocentes (inclusive de policiais); deve haver, também, um departamento com grande capacidade investigativa, para desmontar esquemas criminosos, quadrilhas, identificar e cortar as fontes de dinheiro do tráfico, etc. Pois Inteligência é diferente de Investigação. E são precisos espaços e verba para cada item do equipamento, locais de apoio, manutenção de viaturas, aula, treinamento, etc.
Tudo isso (e muito mais!) constitui a porta de saída da segurança. Ora, não basta citar sumariamente uma palavra ou outra no programa de governo: é necessário detalhar, mostrando ao povo que o candidato tem domínio de uma área fundamental - no caso, a da segurança pública.
O que se verifica, porém, é um desconhecimento básico, já que o plano de governo de Bolsonaro pretende incluir as Forças Armadas no combate ao crime, o que é profundamente inadequado, já que o Exército é uma força pronta para a guerra - para a nossa defesa nacional -, não adaptada ao serviço de policiamento das nossas cidades. Ou seja, vai continuar a improvisação do governo Temer.
(Continua ...)