Ódio Político no Brasil
O atual ódio político entre lulistas/petistas e bolsonaristas/anticomunistas já superou o confronto político que havia entre getulistas e lacerdistas na década de 1950, durante a Guerra Fria, que culminou com um trágico desfecho em 24 de agosto de 1954. Atualmente, a imprensa é acusada de ser golpista ou comunista e isso tende a agravar o conflito político, durante as eleições de outubro e no próximo quadriênio presidencial (2019-2022). Só há um paralelo histórico que supera a atual radicalização política e polarização ideológica, o confronto entre a imprensa monarquista e a imprensa republicana que ocorreu na última década do século 19.
O Imperador D. Pedro II havia sido derrubado e, posteriormente, morrera no exílio na França. Inviabilizado o Terceiro Reinado, não houve apoio à reforma agrária para assentar os ex-escravos e tampouco medidas como o voto feminino (ideia da Princesa Isabel) e a ampliação da rede de ensino público para reduzir o analfabetismo. Portanto, havia um clima de ressentimento político e desencanto com a mudança do regime político. Deodoro da Fonseca, então chefe do governo provisório, foi eleito presidente da República numa eleição indireta. Posteriormente, durante a crise política de novembro de 1891, ele renunciou por não concordar totalmente com texto final da nova Constituição em vigor, que fora promulgada em 24 de fevereiro de 1891. O presidente decidiu dar um golpe militar e fechar o Congresso Nacional, ao defender a dissolução e a convocação de novas eleições parlamentares com o objetivo de alterar a Constituição, o que não era mais possível com a introdução do presidencialismo e a estabilidade dos mandatos dos parlamentares. O vice-presidente Floriano Peixoto assumiu o poder, mas logo ocorreu uma divergência de interpretação constitucional sobre a convocação de novas eleições diretas para presidente, por causa da vacância ter ocorrido antes da metade do mandato (Art. 42), ou se ele deveria permanecer no cargo até o final do mandato presidencial (como previsto no art. 1º, §2º, das Disposições Transitórias). Por isso, o país entrou em conflagração bélica tanto na Revolta da Armada como na Revolução Federalista.
Os vários excessos cometidos, durante a vigência do Estado de Sítio, não foram punidos porque o Supremo Tribunal Federal tinha lavado as mãos por 10 a 1, embora o voto divergente de Pisa e Almeida (HC 300) tenha se firmado, posteriormente, como jurisprudência dominante no país. O término dos conflitos armados e a realização da eleição presidencial, para o subsequente quadriênio (1894-1898), não serenaram os ânimos políticos por muito tempo. Em 1896, surgiu um conflito armado em Canudos. O afastamento do presidente Prudente de Morais, por motivo de uma cirurgia, e o exercício do poder pelo vice-presidente Manuel Vitorino ajudaram a agravar a crise política do país. Após encarniçadas batalhas, duas expedições militares foram derrotadas. No início de 1897, a terceira expedição do Exército foi fragorosamente derrotada, com a morte dos comandantes militares (coronel Moreira César e coronel Tamarindo). O Clube Militar fez duro pronunciamento em defesa do Exército, o que elevou a temperatura política. O presidente reassumiu o cargo, mas seu governo era sempre acusado de ser muito prudente pela imprensa opositora a ele.
Vários jornais monarquistas vinham sofrendo empastelamento (invasão e destruição da redação e da tipografia). O clima de ódio entre monarquistas e republicanos, na imprensa do Rio de Janeiro (então capital federal), levou à divulgação de notícias falsas que provocaram um desfecho trágico. Dono de jornais monarquistas, Gentil de Castro foi acusado de enviar armas e munições, mesmo sem provas, para os apoiadores de Antônio Conselheiro. Numa estação de trem do Rio de Janeiro, Gentil de Castro foi cercado por uma turba republicana e, mesmo armado com um revólver e um punhal, acabou morto a tiros e punhaladas. Diante do clima de guerra e de vingança que tomou conta da opinião pública, uma quarta expedição do Exército foi enviada e arrasou o Arraial de Canudos, promovendo um massacre. Após o retorno da quarta expedição ao Rio de Janeiro, o presidente da República passava a tropa em revista, quando foi atacado pelo anspeçada Marcelino Bispo de Melo com uma faca, após falhar o disparo da garrucha. O Marechal Bittencourt, ministro da Guerra, se interpôs ao agressor e acabou morto em defesa do presidente. Nunca houve punição aos envolvidos na conspiração político-militar porque o assassino apareceu enforcado com um lençol na cadeia.
Após uma década perdida na economia, que começara com o Encilhamento (especulação na Bolsa de Valores) logo após a Abolição (1888), o país estava em completa bancarrota em 1898. Eleito como novo presidente da República, Campos Sales foi a Londres com o objetivo de obter um empréstimo internacional, mesmo antes da posse. Posteriormente, várias medidas de austeridade foram implantadas durante seu governo para estabilizar a economia. Houve um acordo entre as elites regionais que resultou na Política dos Governadores, durante as posteriores três décadas. Devido ao restrito sufrágio nas eleições, a população ficou afastada da política assim como das decisões, em decorrência do controle político do governo federal pelas oligarquias regionais até 1930. A situação atual do país é completamente diferente e muito mais complexa, dada a total imprevisibilidade do cenário político nacional e das eleições presidenciais de outubro. De qualquer forma, uma reflexão sobre o ódio político e sobre a falta de autocrítica é válida tanto sobre o passado como sobre o presente, por causa das consequências de atos impensados cujos resultados não podem ser previstos de antemão por todos os atores políticos.