Direita e Esquerda (para além do discurso popular) Parte 01

Sem ter a mínima pretensão de esgotar o tema, pretendo nesse artigo resumir a distinção filosófica entre as visões político-econômicas que atualmente, sobretudo em decorrência da era eleitoral, conhece-se popularmente como direita e esquerda.

Inicialmente, no período da revolução francesa (1789-1799) o parlamento se dividia entre os que se sentavam a direita e à esquerda do orador. Os primeiros representavam a aristocracia e o clero, enquanto os últimos representavam a burguesia. A direita naquela época defendia a conservação dos privilégios destinados às classes dominantes, nesse sentido era conservadora, enquanto a esquerda defendia o crescimento do comércio e os direitos políticos que apenas a ala da direita (igreja e clero) possuía.

Com o desenvolvimento do liberalismo democrático, novas ideologias surgiram e influenciaram o pensamento tanto da direita quanto da esquerda, sobretudo os ideais elaborados por Karl Marx (1818-1883), famoso economista e filósofo alemão. No entanto, o âmago filosófico que distingue as visões da direita e da esquerda decorre da visão de mundo e da natureza humana que as estruturam. Nesse sentido, outros dois filósofos são os responsáveis por tal bifurcação intelectual. Do lado da direita prevalece a visão do filósofo inglês Thomas Hobbes, enquanto o pensamento da esquerda se finca nas ideias de Jean Jacques Rousseau, filósofo suíço que através dos ideais de liberdade e igualdade contribuiu para a consecução da revolução francesa, onde iniciamos a nossa sintética jornada histórico-filosófica.

Contrato Social e Estado de Natureza

A fim de melhor realizar a distinção filosófica entre o pensamento político da esquerda e da direita, cabe a conceituação dos institutos denominados Contrato Social e Estado de Natureza que são interpretados por Hobbes de um modo e por Rousseau de outro. O estado de natureza para Hobbes representa um estado inicial da humanidade anterior à criação do Estado. Para ele essa época era de plena liberdade, mas ao mesmo tempo caótica, pois a ausência de Estado para Hobbes acarreta na luta dos homens pela defesa dos seus direitos, sobretudo o direito de propriedade, pelo emprego de todos os modos disponíveis, inclusive pelo uso desenfreado da violência. Assim, o contrato social para Hobbes significa o marco inicial para a existência do Estado, que por uma espécie de concordância tácita, garante aos cidadãos o mínimo de ordem e segurança em troca da entrega de parte da liberdade de seus comandados. Dessa forma, o estado de natureza para Hobbes possui uma relação direta com a essência da natureza humana que para ele é inerentemente falha e egoísta, por isso necessita do Estado para a garantia do não retorno ao caos inicial denominado estado de natureza. Para Hobbes o Estado não é capaz de sanar as desigualdades sociais que decorrem do natural estado imperfeito da personalidade humana, mas garante alguma ordem e segurança para que os governados possam usufruir de seus direitos naturais, sobretudo da liberdade e propriedade privada, os bens jurídicos mais estimados na perspectiva jurídico-política Hobbesiana.

Para Rousseau o estado de natureza se refere a um estado de benevolência e altruísmo onde os homens viviam em plena harmonia entre si. A icônica declaração desse filósofo: “O homem nasce bom, mas a sociedade o corrompe” bem descreve a visão otimista, quase romântica, de Rousseau ao se referir à natureza humana. Segundo ele o Estado e as instituições deterioram a boa inclinação natural dos humanos, mas podem aperfeiçoá-la, caso sejam boas.

Em suma, Hobbes defende a necessidade do Estado para a imposição da ordem social, mas coloca nos indivíduos a possibilidade de transformação da sociedade. Para ele a política não muda o mundo nem os homens, apenas reflete o caráter dos indivíduos que são responsáveis por seus atos e pelas consequências deles perante a coletividade, dessa forma de pensar nasceu o ideal político da direita que é essencialmente individualista. De outro lado, a visão de Rousseau defende a maldade das instituições e do Estado em contraposição à bondade natural dos homens, mas ao mesmo tempo propõe a transformação da sociedade por meio das instituições políticas (Estado), desde que elas sejam inerentemente boas. Dessa perspectiva nasceu a visão política de esquerda que é essencialmente coletivista.

Continua

John Grafia
Enviado por John Grafia em 05/09/2018
Reeditado em 10/09/2018
Código do texto: T6440632
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