O Poder Legislativo e a Sua Relação com o Executivo Brasileiro

O Congresso Nacional brasileiro tem sido estudado profundamente nos últimos 20 anos. O desenvolvimento desse campo de pesquisa segue uma tradição já bastante desenvolvida em outros países. Uma característica dele é seu bicameralismo, ao contrário da tendência mundial, em que, dos 170 legislativos nacionais, dois terços são unicamerais. A adoção de duas Câmaras está associada, comumente, a países com territórios mais extensos, mais populosos, de população mais heterogênea, organizados de forma federativa, com tradições democráticas mais sólidas e estabelecidas. Embora o Brasil falhe no último requisito, eles explicam, especialmente na questão da heterogeneidade, porque no Brasil há duas câmaras.

Uma das funções da segunda câmara é assegurar a divisão de poderes, uma vez que as duas podem exercer um controle recíproco e dividir o poder. Pesa também a questão da representação eficiente dos grupos minoritários no interior de cada sociedade, o que implica considerar a vigência de mecanismos de proteção ou salvaguarda desses grupos das decisões majoritárias, fazendo com que a segunda câmara seja constituída de maneira diferente da primeira e, assim, as duas possam atender de maneira mais ampla a vontade do povo.

As duas Câmaras geralmente variam muito em relação aos seus poderes constitucionais. Normalmente, a primeira tem influência maior sobre qualquer tipo de matéria que diga respeito a impostos ou gastos públicos, e a segunda tem influência maior em matéria constitucional, especialmente nos países em que a segunda câmara é uma representação dos estados federados. É mais comum que a primeira exerça certa preponderância de poderes, ou seja, que, em caso de impasse, suas decisões possam prevalecer sobre as decisões que são tomadas na segunda câmara. Mas existem vários casos em que há equipotência formal entre elas, como no Brasil.

É comum também uma distinção entre segundas e primeiras câmaras no que diz respeito ao processo de seleção de seus membros. Enquanto a primeira é formada pelo voto direto e frequente do povo, as segundas câmaras costumam introduzir diversos elementos que afastam os seus membros da influência do voto direto. Entre eles está o pertencimento de direito (geralmente hereditário), a indicação (pelo primeiro ministro ou pelo rei, por exemplo), a eleição indireta e a eleição direta com algumas distinções. Entre as distinções, há a etária (é muito comum que os membros da segunda câmara tenham uma idade mínima maior do que a exigida nos da primeira), critérios de propriedade ou renda, tempo de mandato e eleição parcelada.

Tradicionalmente, cria-se que o isolamento da segunda câmara tivesse consequências sempre conservadoras, mas várias segundas câmaras, justamente em razão da menor exposição à vontade popular, conseguiram, em alguns países, iniciar a discussão de questões consideradas delicadas, debate para o qual os representantes diretos do povo sentiam-se mais constrangidos. Nesse aspecto, o caso do Reino Unido é interessante. Lá, foi a Câmara dos Lordes que deu início às discussões sobre os direitos gays e o aborto, por exemplo.

No caso brasileiro, a câmara baixa (Dos Deputados) representa o povo, e a câmara alta (Senado Federal), representa os estados. As propostas legislativas apresentadas por um parlamentar de uma casa, depois de aprovada nela, seguem para outra e é debatida, emendada, votada. Se não for alterada, vai para sanção presidencial. Se for alterada, retorna para a casa original, e em seguida vai para sanção presidencial ou é promulgada (no caso das emendas constitucionais). Esse sistema se chama navette: uma proposta de lei navega de uma casa a outra, mas não indefinidamente.

Muitas críticas são feitas por políticos e acadêmicos ao Senado brasileiro. Uma delas é que a representação igual de cada estado (3 senadores) reforçaria a desproporcionalidade que existe na Câmara dos Deputados – ou seja, colocaria abaixo a ideia de igualdade do voto, já que parlamentares de estados pouco populosos se elegem com um número de votos bem inferior a parlamentares de estados mais populosos. Haveria uma desproporcionalidade entre o peso dos parlamentares e de seus estados e regiões. O Senado, ao garantir 3 representantes para cada estado, reforçaria essa desproporção em favor de estados menos populosos – que são também os menos desenvolvidos. De outro lado, os defensores do sistema afirmam que os estados mais populosos, que em tese estariam sub-representados, conseguem, por força de suas economias e de uma sociedade civil organizada mais atuante, equilibrar a desproporção da representação política no Congresso.

Além do Senado e da Câmara, na prática há uma terceira “Casa”, o Congresso Nacional, quando as duas Casas deliberam conjuntamente. Nas reuniões do Congresso votam-se o orçamento e os vetos presidenciais, por exemplo. As contagens de votações ocorrem separadamente, Câmara e Senado, e é preciso obter-se a maioria em cada uma delas. Cada Casa – Câmara, Senado e Congresso – têm poderes e regimentos próprios.

Câmara e Senado estruturam seu trabalho por meio de comissões. Os parlamentares se dividem em grupos menores, especializados tematicamente, e cada grupo irá recomendar qual o melhor formato para aquele projeto: a forma original, um formato com alterações pontuais, ou se deve ser um projeto totalmente reformulado. Esse parecer é depois avaliado no plenário pela totalidade dos parlamentares. Assim, as matérias apresentadas são avaliadas por uma ou mais comissões para que se possa identificar se seu teor está de acordo com a Constituição e normas existentes no País, bem como para que se possa analisar seu mérito. A ideia é que nos “pequenos grupos”, formados por especialistas, a discussão possa ser mais profunda e proveitosa.

Os trabalhos do Senado e da Câmara baseiam-se no princípio da proporcionalidade partidária. Para ocupar um cargo na Mesa, presidir uma Comissão, e mesmo para fazer parte dela, é importante o peso do partido do parlamentar. Isso quer dizer que os maiores partidos ocupam mais espaços de poder, e os menores vão-se organizando conforme seu tamanho. Para obter maior influência no processo decisório, muitos partidos se juntam em blocos. Assim, conseguem disputar posições dentro de cada Casa com os partidos maiores.

Uma vez que o regime político brasileiro é baseado na existência de três poderes autônomos e independentes entre si, um dos pontos importantes a respeito do Legislativo é sua relação com o Executivo. Nessa relação, o Presidente da República é a figura central. Ele tem o poder de legislar (cerca de 85% das leis são de origem do Poder Executivo) e o faz, frequentemente, por meio de medidas provisórias. Além disso, o presidente tem iniciativa exclusiva em diversas matérias – como o Orçamento Público, o qual pode, também, contingenciar (ou seja, suspender os gastos) unilateralmente. O presidente também tem poderes para influenciar a agenda legislativa.

Desde 1988 o Brasil tem sido governado por presidentes minoritários, pois seus partidos não obtêm sequer 20% das cadeiras de cada Casa do Congresso. Assim, ele sempre governa a partir de coalizões e alianças, principalmente através de liberação de recursos e compartilhamento do gabinete ministerial. Entre as críticas a esse sistema, estão: ele cria um ambiente propício ao conflito entre pastas ministeriais ocupadas por partidos de orientação ideológica diferente; paralisia decisória, causada pela heterogeneidade das alianças; necessidade de negociações constantes; e o custo moral representado pelo sistema baseado na barganha constante.

Para alguns, a solução viria com uma reforma política que reduzisse o número de partidos e lhes concedesse mais poder, em detrimento de um sistema hoje considerado altamente individualista. Precisamos, pelo menos, repensar se o atual modelo democrático brasileiro é capaz de refletir os valores do nosso país. Em ano de eleição, um ponto importante para avaliarmos nossa escolha é como o candidato enxerga a conjuntura democrática atual e quais são suas propostas para melhorá-la.

FONTE DE PESQUISA: Material didático do curso de Política Contemporânea do Instituto Legislativo Brasileiro, <https://saberes.senado.leg.br/>