INTERVENÇÃO MILITAR, SEU NOME É GOLPE

É inevitável que, em meio à grave crise que o País atravessa, surjam grupos que defendam soluções radicais. A recente greve dos caminhoneiros nos trouxe, mais uma vez, a presença dos chamados “intervencionistas”. Intervenção militar é, na verdade, um eufemismo para golpe militar, já que não existe na Constituição – ao contrário da intervenção federal, esta sim prevista em lei. Me lembro que, em 1969, nosso professor do antigo primário prometeu dar um ponto extra na média para aquele que dissesse o nome completo do novo Presidente da República. Como ninguém sabia, ele nos lembrou que o presidente tinha feito um pronunciamento em cadeia nacional, na noite anterior. Ah, então era ele! Realmente, um senhor de terno escuro havia falado na TV, mas nem eu nem meus colegas tínhamos prestado atenção, mais preocupados em saber se Tostão jogaria a Copa de 70 e se Pelé chegaria logo aos mil gols. Foi então que o professor, diante da curiosidade de todos, disse o nome do novo presidente: Emilio Garrastazu Medici. Este é um exemplo de como as coisas funcionavam nos tempos do “governo militar”: um senhor, ilustre desconhecido para a grande maioria da população, se apresentava em rede nacional como o novo Presidente do Brasil. Quem o escolheu? O alto comando das Forças Armadas. Posteriormente, o Congresso Nacional, fechado havia dez meses, foi reaberto para “eleger” o presidente, uma farsa para dar a impressão de que vivíamos num regime democrático. Por conveniência ou ignorância, muitos intervencionistas enxergam no período militar apenas o lado positivo, como a criação do FGTS e do PIS, a construção de estradas, usinas hidrelétricas e, principalmente, o “milagre econômico” da era Medici, em que o PIB chegou a 14% em 1973. Pena que esquecem, ou desconhecem, que grande parte desse desenvolvimento foi feito com financiamento externo, o que gerou crescimento da inflação (era 80% em 1963 e chegou a 215% em 1984), aumento da dívida externa (saltou de US$ 3 bilhões para US$ 90 bilhões em 21 anos) e deu início, a partir do governo Figueiredo (1979-1985) à chamada “década perdida”, com a submissão ao FMI, a maxidesvalorização da moeda, o aumento do desemprego e a recessão econômica. Tudo isso sem considerar o aparelho repressivo, notadamente a partir do AI-5, com a institucionalização da tortura, a censura à imprensa e a perseguição a políticos, artistas, professores, ex-presidentes e até mesmo militares, que não concordavam com a ditadura. A violência urbana era menor? Certamente. Mas não por méritos do governo e sim pela conjuntura da época. A situação era exatamente a mesma de governos anteriores, como a era JK, por exemplo. A corrupção política era menor? Não havia superfaturamento de obras? Difícil saber, já que a censura imposta aos meios de comunicação impedia a divulgação de qualquer fato que pudesse comprometer a imagem do governo. Não podemos esquecer, porém, que grandes caciques da política nacional (Sarney, ACM, Maluf) cresceram apoiados pelos militares. O argumento de que a “intervenção” de 1964 foi cívico-militar por ser uma reivindicação popular, também não convence. A maior manifestação de 1964, a Marcha da Família com Deus pela Liberdade, era contra o comunismo, mas pedia democracia e a preservação da Constituição. Mesmo que tivéssemos vivido aqueles 21 anos apenas em ordem e progresso, não se justifica um novo rompimento das instituições democráticas. Numa época em que é possível sabermos a ficha corrida dos candidatos utilizando um simples aplicativo, por que aceitar que um desconhecido, escolhido por seus amigos, assuma o controle do país - e de nossas vidas? Já se foi o tempo de acreditar em salvadores da pátria. Fardados ou não.