"Do impeachment de Collor à CPI do Orçamento" - MODERNIZAÇÃO DO BRASIL E SUAS CONTRADIÇÕES

"Em maio de 1992, as acusações de tráfico de influência e cobrança de comissões na liberação de verbas públicas, feitas pelo irmão mais novo do presidente, o empresário Pedro Collor, culminaram com a convocação de uma CPI no Congresso Nacional. Instalada em 3 de junho, a CPI do PC conseguiu acumular provas sobre o envolvimento de Fernando Collor de Melo com o esquema de corrupção dirigido pelo seu ex-tesoureiro de campanha, Paulo César Farias. Frente às descobertas dos parlamentares, a Folha pediu a renúncia do presidente e considerou esta atitude como a “única alternativa capaz de assegurar de imediato a governabilidade do país”.

A abertura do processo de impeachment contra Fernando Collor foi aprovada pela Câmara, em 29 de setembro. No editorial, “A lição do impeachment”, de 30 de setembro, a Folha de S. Paulo reiterou seu apoio às investigações, assinalando que: “O Legislativo agiu em consonância com a manifestação inequívoca da sociedade em favor dos padrões mínimos de probidade e decoro no trato da coisa pública”, ao votar pelo afastamento do presidente.

Em 2 de outubro, como conseqüência do processo de impeachment, Collor se afastou da presidência da República, passando o cargo interinamente para o seu vice, Itamar Franco. Nesta ocasião, a Folha de S. Paulo elogiou a forma pela qual o texto constitucional foi respeitado, garantindo a ordem durante o ato de transmissão do Poder Executivo.

Desde sua posse, no entanto, Itamar foi constantemente criticado pelo jornal, que o considerou um político ainda preso aos valores do nacionalismo dos anos 1950. A escolha de seu ministério foi recebida com grande decepção e, segundo a Folha, havia sido formado por personalidades obscuras, revelando-se “provincial e antigo, tecido com os fios puídos das amizades e relações parlamentares”.

Em abril de 1993 realizou-se o plebiscito para a escolha da forma e sistema de governo. Desde janeiro daquele ano, a Folha de S. Paulo declarou sua preferência pelo parlamentarismo, tratando-o como o regime mais capacitado para “estabelecer entre os poderes um vínculo de responsabilidade”. A principal virtude do parlamentarismo apontada pelo jornal estaria na maior representatividade garantida pelo sistema que, ao contrário do presidencialismo, institui mecanismos capazes de resguardar o eleitor da possibilidade de tornar-se “prisioneiro de suas próprias escolhas”, como teria ocorrido durante o governo Collor de Melo.

A contagem dos votos do plebiscito de 21 de abril consagrou a República Presidencialista por uma larga maioria. Segundo a Folha, este resultado deveu-se à fraqueza com que as propostas em disputa (parlamentarismo, presidencialismo e monarquia constitucional) foram colocadas perante a sociedade. Para a Folha de S. Paulo, outro aspecto significativo na derrota do parlamentarismo teria sido o fato de seus defensores o apresentarem como uma espécie de solução mágica dos problemas do país, considerando que “uma simples modificação institucional pudesse levar o Brasil para o primeiro mundo”.

Em outubro de 1993, as atenções da Folha de S. Paulo voltaram-se para a revisão constitucional. Aplaudida pelo jornal, a “reconstituinte” foi vista como o momento de se superar os vícios contidos na “estrutura arcaica que rege a economia brasileira”. Os trabalhos revisionais foram praticamente suspensos, porém, devido às declarações feitas pelo economista e funcionário do Senado, José Carlos Alves dos Santos, após ter sido preso sob a acusação de ter assassinado a esposa, acerca de irregularidades envolvendo a comissão do orçamento da Câmara Federal.

A Folha de S. Paulo defendeu a apuração dos fatos que cercaram o chamado “escândalo do orçamento”, de modo que fosse retomada o mais rápido possível a revisão da Carta de 1988. A cobertura do jornal procurou ressaltar a influência das grandes empreiteiras na montagem do orçamento da União. Em uma entrevista com o empresário Cecílio do Rego Almeida, dono da empreiteira C. R. Almeida, o jornalista Clóvis Rossi mostrou o papel de corruptoras das empresas desse setor, “que jogam o preço mínimo ‘no céu’ para pagar comissões”.

O Plano Real e as eleições de 1994

As seguidas substituições no comando do Ministério da Fazenda, durante o primeiro ano do governo Itamar, lhe valeram novas críticas por parte da Folha. No decorrer de 1993, o periódico paulista reclamou a ausência de um plano antiinflacionário e comparou a política econômica vigente com o chamado “feijão-com-arroz” do último ano do mandato de José Sarney. A credibilidade de Itamar Franco estava abalada, segundo a Folha de S. Paulo, porque o presidente se negava a levar adiante um programa conseqüente de privatizações.

Em fevereiro de 1994, após a entrega do relatório final da CPI do Orçamento, os parlamentares recolocaram em pauta a revisão constitucional. Porém, a morosidade que marcou sua retomada tornou a emperrá-la logo nos primeiros dias.

Fracassada a revisão, o lançamento da Unidade Referencial de Valor (URV), indicador previsto no plano de combate à inflação do ministro Fernando Henrique Cardoso, passou a ocupar as manchetes do jornal. Segundo a Folha, o esforço do governo mostrou-se no caminho certo, uma vez que: “O início da segunda fase do Plano Real ocorreu sem sustos. Sem tarifaços ou maxidesvalorizações cambiais, sem qualquer forma de congelamento de preços, sem ruptura imediata dos contratos financeiros.”

Mesmo assim, o editorial “URV sem medo”, publicado em 1º de março, defendeu que a única forma de garantir a estabilidade econômica seria acabar com “o Estado ineficiente, deficitário e oneroso, o mercado de consumo concentrado e limitado, e o sistema de benefícios previdenciários inviável, que são alguns desequilíbrios que explicam ‘estruturalmente’ a inflação brasileira”.

A partir de maio de 1994, a Folha de S. Paulo iniciou a cobertura da chamada “supereleição”, que no mês de outubro iria escolher o presidente da República, 27 governadores, deputados federais e estaduais e 1/3 do Senado. A polarização entre Luís Inácio Lula da Silva — que liderava as pesquisas no início da campanha — e Fernando Henrique Cardoso ganhou destaque no noticiário do jornal, que a considerou uma conseqüência das posições contra e a favor do plano, defendidas respectivamente por cada um dos candidatos.

Em 28 de julho, a Folha anunciava o resultado de uma de suas pesquisas de opinião, demonstrando a possível vitória de Fernando Henrique no caso de haver um segundo turno. Essa reviravolta, comentou o periódico, teria sido provocada pela rápida aprovação popular ao plano de estabilização da economia e também pelo desgaste provocado por denúncias de favorecimento ilícito contra o candidato a vice na chapa do PT, José Paulo Bisol.

A cobertura feita pelo jornal teve um papel de destaque na divulgação do caso Bisol. A Folha de S. Paulo conseguiu provar que a cidade de Buritis (MG), onde o senador possuía uma propriedade, foi favorecida com emendas ao orçamento da União, superestimadas em mais de oito milhões de reais. Uma das emendas destinava-se a financiar a construção de uma ponte ligando a fazenda do candidato da Frente Brasil Popular ao centro daquela localidade. O político gaúcho foi substituído por Aluísio Mercadante em 26 de julho, 27 dias após as primeiras suspeitas chegarem ao conhecimento público.

Logo após a saída de Bisol, suspeitas de envolvimento do candidato a vice-presidente na chapa de Fernando Henrique Cardoso, Guilherme Palmeira, com o esquema de corrupção montado no governo Collor passaram a freqüentar o noticiário do jornal. Em 6 de julho, dois ex-funcionários da empreiteira Sérvia acusaram a empresa de pagar propinas a parlamentares e assessores, entre os quais estaria o senador alagoano. Em seguida, a Folha de S. Paulo revelou que em dezembro de 1990 a prefeitura de Maceió assinou um contrato com a empreiteira no valor de 4,3 bilhões de cruzeiros, com um adiantamento de 950 milhões para obras inicialmente não previstas. O jornal também descobriu que a empresa recebia de uma das contas “fantasmas” do esquema PC e que outra destas contas enviava recursos para a campanha de Geraldo Bulhões ao governo do estado, em 1990. Segundo apurou o periódico, Bulhões repassara parte do dinheiro que recebia de P. C. Farias para a campanha de Palmeira ao Senado. Devido a estas acusações, o Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB) deu preferência ao nome de Marco Maciel para compor sua aliança com o Partido da Frente Liberal (PFL).

Em 3 de outubro, a Folha de S. Paulo confirmou em sua pesquisa de boca-de-urna a vitória de Fernando Henrique Cardoso, já no primeiro turno, com 48% do eleitorado a seu favor, conforme a previsão do jornal.

Ao fazer um balanço da campanha presidencial, a Folha afirmou que o Brasil de 1989 havia ficado muito distante, não mais servindo de parâmetro para se pensar a política e sociedade dos anos 1990. Por essa razão, o novo presidente da República deveria ter como prioridades: “A reorientação do Estado rumo ao atendimento das suas funções básicas de prover saúde, segurança e educação, em vez de assumir um papel empresarial; liberalização da economia, desburocratização; melhor repartição das responsabilidades administrativas entre a União, os estados e os municípios; reforma da previdência, privatizações.”

No editorial de 4 de outubro, a Folha de S. Paulo dirigiu-se ao presidente eleito para parabenizá-lo pelo sucesso do Plano Real. Pois, como lembrou o periódico, foi exatamente por ter conquistado esse êxito que o candidato tucano pôde derrotar Luís Inácio da Silva ainda no primeiro turno.

De acordo com a Folha, a vitória de Fernando Henrique Cardoso, entretanto, não seria suficiente para garantir a continuidade da estabilização econômica, principalmente porque “a eleição não tem o dom de eliminar a fisiologia e o clientelismo da cultura política”. Como salientou o jornal, estes problemas tornaram-se mais difíceis de serem resolvidos pelo novo presidente, especialmente “quando se considera que um dos partidos que melhor encarna esta imagem de fazer política — o PFL — faz parte do seu arco de alianças”.

Os “anos FHC”

No decorrer de 1995, o ânimo de Fernando Henrique Cardoso em promover reformas na ordem econômica e social contou com o apoio da Folha. Do ponto de vista do jornal, porém, muito embora o presidente tivesse avançado na tentativa de flexibilizar monopólios como o do petróleo e das telecomunicações e, sobretudo, conseguido consolidar “uma agenda de temas para uma economia globalizada”, as privatizações estavam acontecendo numa velocidade reduzida.

Ao completarem-se os primeiros seis meses do governo Fernando Henrique Cardoso, a Folha de S. Paulo afirmou que “FHC cumpre reformas, mas fracassa no social”. Para o jornal, nenhuma das cinco metas apresentadas durante a campanha presidencial — saúde, educação, segurança, agricultura e emprego — havia recebido, até então, alguma iniciativa de vulto."

AUTORIA EM:

http://www.fgv.br/CPDOC/BUSCA/dicionarios/verbete-tematico/folha-de-sao-paulo
Enviado por J B Pereira em 01/08/2018
Reeditado em 01/08/2018
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