UM GIGANTE IDIOTIZADO
                                                        
Iniciei minha vida como professor em 1972, em plena ditadura militar. Época em que as matérias de jornal que continham alguma informação contra o governo eram censuradas e substituídas por estrofes dos Lusíadas ou poemas de Olavo Bilac, Castro Alves e outros poetas. Nos dois colégios onde eu dava aulas havia “olheiros” dos militares. Alguns eram professores, a maioria pertencente á Policia Militar ou ao exército. Muitos eram patrocinados pelo regime para se formar em faculdades de filosofia justamente para espionarem os colegas. Bom para eles que complementavam seus soldos com a renda obtida das aulas. Já nós, simples professores que não tínhamos esse outro lado da vida para nos sustentar, éramos obrigados a correr de uma escola para outra, dando uma aulinha aqui, outra ali, para poder completar uma carga horária que nos desse, no mínimo, uma condição de sobrevivência. 
Já completou 45 anos essa história. Na época xingávamos Deus e todo mundo ─ Deus ás claras e o governo á boca pequena ─ pela situação em que vivia a educação e os professores em geral. O governo militar havia substituído os antigos currículos, que separava os estudos clássicos dos científicos, por um currículo único que contemplava, além de outras coisas, uma clara opção para a propaganda ideológica, com a inclusão obrigatória das chamadas matérias de Educação Moral e Cívica, cujo único objetivo era promover o regime. E quem dava essas aulas? Os professores formados pelo regime, é claro. Uma boa parte deles com cursos na famosa Escola Superior de Guerra.
Quarenta e cinco anos depois, o que mudou no país? Recuperamos a liberdade, retomamos as ruas, estamos elegendo governantes por nossa livre escolha. E dai? O Brasil continua com um dos mais baixos índices de educação no mundo. A pátria dos generais que diziam “Ame-o ou deixe-o” passou a ser a pátria dos políticos que esvaziam os cofres públicos, dilapidam o patrimônio nacional e ainda riem na nossa cara, porque esperam sair impunes. No tempo dos militares eles botavam  os professores na cadeia quando falavam mal deles. Hoje, a polícia bate nos professores na rua mesmo quando eles tentam se manifestar. Talvez seja melhor apanhar na rua e voltar para casa com a cara ensanguentada do que ir para a cadeia e se enforcar “voluntariamente” como Wladimir Herzog, mas serão essas as únicas opções que nos restam? Naquele tempo, pessoas que estão no poder hoje diziam que éramos um bando de idiotas ajudando a formar um povo idiotizado. O que foi que mudou? “Ame-o ou deixe-o”. “Pátria Educadora.” “Ordem e Progresso”. Bastou uma simples greve de caminhoneiros para mostrar o tamanho da mentira em que nós vivemos. E começar a pedir pela volta da ditadura. Será que algum dia este país vai deixar de ser este gigante idiota, deitado eternamente em berço esplêndido? E começar a educar nossa gente de verdade?