Uma nau sem rumo

Deve ser um carma. Os problemas no Brasil não cessam.

Como achar uma rota segura para um país que, a cada dia, se depara com nova crise?

Sejamos bastante diligentes e tratemos algumas questões com a gravidade que merecem. Não adianta colocarmos as paixões no centro da discussão, na interpretação dos fatos. Vamos a eles.

A reivindicação apresentada pelo setor do transporte de cargas é justíssima. Não pode haver qualquer dúvida em relação a isso.

Os caminhoneiros são quase os únicos responsáveis pelo fluxo de mercadorias no território nacional, portanto desempenham papel vital.

Durante o trabalho, são constantes vítimas de roubos, de sequestros, de violências várias por parte do crime organizado, que descobriu nisso um negócio até mais rentável do que no tráfico de drogas.

No dia a dia, são uma categoria que tem sofrido um estrangulamento financeiro gigantesco, seja por causa dos pedágios, da manutenção constante que se faz necessária em razão das péssimas condições das estradas, das distorções dos valores dos fretes e, pior, do óleo diesel.

Movidos pela demanda excessiva a que precisam se sujeitar para conseguir tirar seu sustento, muitos rodam sem condições físicas, devido a imensas jornadas de trabalho e poucas horas de sono. O resultado, não raro, são acidentes catastróficos, em que vitimam ou são vitimados.

Em suma, não há como não nos solidarizarmos com sua condição.

Diante dessas circunstâncias, desde a última segunda-feira (21), iniciaram uma mobilização de caráter nacional e deram seu recado: o Brasil não anda se os caminhoneiros não quiserem.

O Governo Federal, que é fraco, que se comunica mal, que negocia mal, que não se antecipa aos problemas e que colhe os frutos de uma impopularidade histórica, mais uma vez titubeou, e a coisa chegou ao atual estágio.

As cartas estão postas na mesa. A paralisação ocorreu, as reivindicações foram apresentadas, as autoridades foram para o debate e cederam, apresentando um acordo com diversos pontos que, se analisados cuidadosamente, ultrapassam a margem de conquistas normalmente alcançada entre interlocutores nesse tipo de diálogo.

A maior parte dos representantes da categoria concordou em encerrar os protestos; uma parte menor, não. Como resultado, o Brasil continua parado. Aí começa uma outra fase do problema.

Apesar da legitimidade da pauta, que, repito, é justa, a população começa a se indignar, porque há um limite para a simpatia.

À medida que os produtos essenciais não chegam a supermercados, a farmácias, a hospitais, os serviços prestados por esses estabelecimentos começam ser prejudicados.

Quando cessam as aulas, são interrompidas as viagens rodoviárias e aéreas, quando as pessoas deixam de chegar ao trabalho, quando a polícia diminui o patrulhamento nas cidades, a ordem muda seu curso.

Quando cirurgias deixam de ocorrer por falta de sangue, de insumos básicos, de falta de acesso aos centros hospitalares, a crueldade começa a se manifestar.

Quando pessoas adoecem, perdem funções vitais ou morrem por problemas dessa natureza, o estrago é imensurável.

Restaurantes populares deixam de servir refeições por falta de alimentos devido ao desabastecimento, e os mais pobres deixam de comer.

Toda a cadeia produtiva do campo e das cidades é interrompida. Faltam produtos básicos para a subsistência e os que chegam às prateleiras disparam a inflação em virtude dos preços exorbitantes.

Enfim, fortalecer um movimento à base do estrangulamento da população talvez seja ir além do razoável.

Se cada setor essencial da atividade humana no Brasil resolver colocar a faca no pescoço do mandatário e exigir o atendimento total de suas demandas, será um caminho saudável para nossa democracia? O Brasil será melhor?

Além disso, existe uma questão de política econômica que não pode ser ignorada. A coisa está feia no geral, e o cobertor não chega. É uma questão de matemática elementar: dinheiro não é fruto de desejo, mas de arrecadação dos impostos gerados. Se aumentarmos a despesa num setor, diminuímos em outro. E aí a pergunta: qual outro? De onde tiramos dezenas de bilhões de reais? Poderíamos discorrer sobre as razões que nos trouxeram até aqui, mas, após, voltaríamos ao mesmo ponto, ou seja, de onde tirar?

Em outros tempos, a mesma crise gerou ações imediatas dos então presidentes. Foi assim com Figueiredo, com Sarney, FHC e até com Dilma. Determinou-se a retomada das atividades, usou-se de força quando necessário e ficou bem claro que a população não poderia ser refém nesse processo. As negociações foram abertas após o embate e houve sempre acordo. Não foi o caso agora. O carro ultrapassou os bois.

O que se espera no momento é que os caminhoneiros, legítimos postulantes das atuais reivindicações, não sejam conduzidos por líderes inconsequentes. Infelizmente, parece haver mais interesses em jogo, não tão nobres e tão justos quanto os dos motoristas.

Não será o melhor caminho esperar que o Estado seja obrigado a fazer o que é lhe dever de ofício em situações como essa, de grave perigo à segurança nacional. Se a prosa continuar tomando esse rumo, as consequências não serão as esperadas pelo movimento.

Éder de Araújo
Enviado por Éder de Araújo em 26/05/2018
Código do texto: T6347238
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