O esvaziamento da democracia representativa no Brasil
O significado no dicionário é unânime. Democracia é uma forma de poder que emana do povo, mediante as representatividades partidárias e autonomia das instituições. No Brasil, por exemplo, a tríade Justiça, Legislativo e Executivo está neste contexto democrático. No entanto, em meio à busca pelo poder diminui a fé dos brasileiros naqueles que deveriam agir pelo povo e o sistema político vive um caos com precedentes, inclusive, desde a instauração da República.
A democracia brasileira, por sua vez, pode ser caracterizada pelos dois aspectos presentes no fenômeno, sendo indireta ou direta. De forma geral, o primeiro prevalece, de modo que a população escolhe um representante para tomar as decisões que melhor se adequem ao perfil de nação representada. “Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição”.
Por outro lado, há mecanismos na Constituição que reclassificam a nossa forma de democracia como direta, ou seja, o povo participa diretamente das decisões ao bem comum. Não é bem o que acontecia na Grécia Antiga, onde os cidadãos votavam pelo destino dos gregos, mas a Carta Magna do Brasil também tem pontos em que os brasileiros atuam diretamente nas decisões públicas, sendo o caso dos referendos e plebiscitos.
Com uma democracia semirrepresentativa, num país grandioso em extensão e demografia, várias diferenças sociais complexam as decisões. Quanto a isso, para alcançar o maior número de ideias, surgem os partidos políticos. No entanto, no Brasil, os mesmos passam por uma era sombria e com um futuro não tão empolgante, ainda mais num contexto de corrupção, investigações e coalizões totalmente distintas das ideologias pregadas nas siglas.
"A era da democracia de partidos passou. Embora os partidos permaneçam, eles se tornaram tão desconectados da sociedade mais ampla e buscam uma forma de competição tão sem sentido que não parecem mais capazes de sustentar a democracia na sua forma presente", afirmou Peter Mair, especialista em política comparada e não tão otimistas às instituições partidárias.
No Brasil, o caso se confirma ao fato de os partidos políticos se tornarem a instituição com menos confiança da população. Mais que abandonar a bandeira, o que se vê no país parece ser o esvaziamento da democracia representativa.
A situação fica pior em exemplos de oligarquias na política. Grupos se formam para que permaneçam no poder. Assim, a estrutura partidária não é usada para canalizar os interesses partidários, mas para servir de trampolim para outros cargos e posições no espectro da força política. “Ao não se sentirem representados, os cidadãos viram as costas para a política e para as agremiações. Dissemina-se o sentimento antipolítica; os eleitores passam a buscar forasteiros – o ‘não político’, o ‘gestor’ e o ‘magistrado’, entre outros – e se afastam cada vez mais da trilha democrática, pela esquerda ou pela direita”.
Tal citação do sociólogo Sérgio Abranches traz à tona exemplos como “Bolsonaro 2018”, Joaquim Barbosa à presidência e, mais recente, um suspiro de melhora com a história de vida e atuação de Herman Benjamin, ministro do Tribunal Superior Eleitoral no julgamento da chapa Dilma-Temer, a respeito do abuso de poder político e econômico em doações de campanha nas eleições de 2014.
O clamor social elege o prefeito celebridade, em São Paulo, o João Dória. Caso semelhante no extremo conservadorismo do magnata e ex-apresentador de TV Donald Trump, recém-eleito presidente dos Estados Unidos. O povo passa a pedir soluções práticas e imediatas, embora, futuramente, as mesmas possam não ser a melhor saída. Tal crise nas instâncias representativas tem como culpados, segundo Mair e outros críticos, os sociais-democratas.
Diferente do pós-Segunda Guerra Mundial, no Brasil, a “Guerra Fria” é interna. Os segmentos políticos que representam a esquerda e a direita no espectro político saem das siglas partidárias e vão às ruas defender as respectivas bandeiras ideológicas. Por um lado, a austeridade liberal e, por outro, um populismo desenfreado que pode por a economia em risco.
Há crise, é inegável. Mas o país já superou outros desafios e pode dar a volta por cima em relação à atualidade e falta de confiança nas instituições partidárias. A ditadura foi afastada, a Terceira República foi criada – pasmem: há democrática dentre as experiências republicanas –, a hiperinflação foi reduzida e houve consideravelmente a redução da pobreza e desigualdade.
A saída, portanto, é revigorar a atual democracia, tornando-a menos vulnerável à corrupção e a grupos oligárquicos. “Precisaremos refundar nossa democracia, redesenhar nosso modelo político e renovar nossa elite política para que possamos surfar as ondas do tsunami de mudanças”, completa Abranches.