A HISTÓRIA PODERIA TER SIDO ALTERADA
A última sessão da Comissão de Constituição e Justiça do ano legislativo em 1968 foi marcada pela utilização do mecanismo regimental da obstrução por parte dos parlamentares da oposição. O líder do MDB na Câmara, deputado Mário Covas, com essa estratégia desejava impedir a aprovação do parecer ao pedido de cassação de Márcio Moreira Alves até o término do ano legislativo no Congresso que se concluiria ao final do mês de novembro. Naquela oportunidade, Mário Covas, decidia: Geraldo Freire, que substituía o paraibano Ernani Sátyro, articulou-se com o colégio de vice-líderes, principalmente os deputados Cantídio Sampaio, Leon Peres e Alves de Macedo, procurando cumprir à risca a decisão do governo no sentido de forçar a definição imediata da Comissão de Constituição e Justiça. Prevendo uma derrota, resolveram promover a substituição dos arenistas integrantes originalmente da Comissão, que não se dispunham a acolher a orientação do partido pela aprovação do parecer em favor da cassação de Márcio Moreira Alves. Dentre esses, considerados “rebeldes”, foram mantidos apenas três: o presidente Djalma Marinho, que viria a renunciar seu posto após proclamar seu voto, Monsenhor Arruda Câmara, que integrava aquela Comissão desde 1946, e Rubem Nogueira. Nove parlamentares foram substituídos, o que garantiria maioria folgada em favor dos interesses do governo. (artifício bem adequado aos regimes ditatoriais, diga-se de passagem)
O processo de escolha, todavia, não foi tão tranquilo, pois vários parlamentares convidados a substituir os identificados como “infiéis” se recusaram a aceitar a convocação. Havia uma reclamação da forma subserviente e inábil com que o deputado Geraldo Freire conduzia as negociações na Câmara. Muitos observadores da história política nacional questionam se a crise teria sido evitada com a presença do deputado paraibano Ernani Sátyro na liderança do governo. Afinal de contas, no leito do hospital, chegou a comunicar, por telefone, ao seu conterrâneo, Ministro Lyra Tavares, do Exército, sua discordância quanto ao encaminhamento do processo.
Mesmo sendo considerado um homem de direita, Ernani era muito respeitado por seu perfil de autenticidade com que militava na política, não se curvando a imposições que contrariassem suas convicções. Enfermo, não deixou de manifestar sua posição sobre a matéria, o que nos leva a imaginar que sua atuação na liderança da bancada do governo seria bem diferente do que se viu sob o comando do deputado Geraldo Freire.
O Ministro Jarbas Passarinho, numa entrevista concedida ao jornal Folha de São Paulo, no dia 06.12.98, chegou a concordar com esse entendimento. Perguntado se não teria faltado habilidade política ao governo para evitar a crise com o Congresso e o AI-5, assim se manifestou: Porque o discurso de Márcio Moreira Alves, algo sem a menor importância, foi o detonador do processo? Porque Ernani Sátyro, o líder do governo na Câmara, estava infartado no Rio. No meu entender, teria sido possível que o Ernani evitasse o confronto que se viu. O substituto de Ernani, na liderança, não tinha a mesma altura para a negociação.
• Do livro “1968 – O GRITO DE UMA GERAÇÃO”