PLANO DIRETOR 2017
PLANO DIRETOR 2017 – A cidade legal, a cidade real e outras cidades
Paralelo aos recentes anúncios de grandes empreendimentos e aos planos de expansão urbana em andamento, a Prefeitura prepara proposta de revisão da lei municipal que dará as diretrizes e instrumentos de ordenamento do solo pelos próximos dez anos.
Há muitas cidades dentro de uma cidade e Betim não é diferente. O que muda é o olhar, ou melhor, aquilo que conseguimos enxergar quando olhamos para a cidade. Salta aos olhos, porém, o momento singular que Betim atravessa, no qual a prolongada crise econômica se contrapõe a uma série de iniciativas que prometem mudar rapidamente o espaço urbano. Assim, uma cidade legal se desenha em mapas de ordenamento no qual convergem os planos de obras públicas e os equipamentos que estruturam os usos urbanos. Nessa Betim legal, o crescimento da cidade -- seja vertical, com a construção de edificações; seja horizontal, com a implantação de novos loteamentos -- é definido pelas regras previstas no Plano Diretor e legislação subordinada.
Mas, o que é um plano diretor? Nos termos da Reforma Urbana e seu marco legal federal, isto é, o Estatuto das Cidades, planos diretores são leis municipais obrigatórias para municípios com mais de 20.000 habitantes ou membros de regiões metropolitanas. No caso de Betim, desde 1996 a cidade edita tais planos e os revisa decenalmente, delimitando os perímetros urbano e de expansão urbana, bem como ordenando parâmetros de uso e ocupação mediante a territorialização em macrozonas de adensamento, zoneamentos e áreas de atividade especiais (habitacional, ambiental etc...). A cidade real, entretanto, é um espaço de conflitos de interesses e de iniciativas ao arrepio da lei. A ocupação irregular reflete a difícil missão de urbanistas e legisladores em lidar com um objeto de estudo dinâmico e complexo como são os aglomerados urbanos. Com efeito, o mercado imobiliário e mesmo certas políticas públicas atuam de forma a construir uma realidade diversa daquela pretendida pela legislação urbana. Uma Betim real, onde muitos enxergam apenas conflito e complexidade, parece insistir em desconhecer as regras necessárias para a ordem social e promoção de um espaço urbano onde os territórios reflitam sobretudo a apartação social e distanciamento dos centros de poder político. A falta de correspondência entre a Betim legal e a Betim real não apenas aguça o fosso social a separar pobres e ricos como ainda compromete a conservação de recursos naturais necessários a todos, como é o caso dos mananciais que formam a barragem de Várzea das Flores.
Esse conflito continuo entre a legalidade e a realidade leva a alterações pontuais frequentes do Plano Diretor tanto para atender demandas da administração pública quanto para empreendimentos da iniciativa privada... Debater a cidade em seu ordenamento é essencial também para compatibilizar planos de governo e demandas da população em sua percepção sobre a necessidade de melhorias de mobilidade urbana e qualidade ambiental. É mediante a participação da sociedade civil organizada, seja junto à Comissão Executiva do Plano Diretor; seja nas revisões decenais do Plano Diretor, que a cidade legal e a cidade real tem a oportunidade de encontrar com vias a projetar para o futuro uma cidade melhor.
Em Betim, o órgão responsável pelo planejamento, gestão e fiscalização do solo é o DPURB -- Diretoria de Políticas Urbanas -- vinculado à SEFPLG - Secretaria Municipal de Planejamento, cujos técnicos têm coordenado a elaboração da presente revisão do Plano Diretor Municipal. Segundo a arquiteta Maria del Mar Jordá, chefe da Comissão de Revisão do Plano Diretor, "Ignorar regras de uso e ocupação do solo torna o mercado imobiliário uma atividade irresponsável e predatória enquanto a propriedade privada tender a precarizar a habitação e a qualidade ambiental." Por isso, a ideia de uma "Função Social da Propriedade" consolidada na Constituição de 1988 é o princípio sobre o qual leis como Plano Diretor se alicerçam: "Só é possível viver na cidade se houver regras, ainda que desagradem esse ou aquele. Sem regras, a cidade cresce, mas a vida das pessoas não melhora." -- declarou ainda a técnica do DPURB. Portanto, participação de todos nesse processo é fundamental: "As lideranças comunitárias, entidades de classe, construtoras, imobiliárias e órgãos da administração municipal têm na revisão do Plano Diretor a oportunidade de trazer para o debate o seu olhar sobre a cidade" -- declarou Eustáquio Tito, chefe do setor do DPURB responsável pelo licenciamento de estudos de empreendimentos de impacto. De fato, são essas outras cidades que também são Betim que devem superar a dicotomia LEGAL X REAL que a legislação urbanística acabou gerando: "as várias feições que Betim assume no quotidiano das pessoas é que determinam aquilo que a cidade é e aquilo que a cidade não quer ser " -- concluiu o arquiteto do DPURB. Conforme informaram os técnicos do DPURB, as audiências para apresentação das propostas estão programadas para março de 2018.
Não obstante, o grande desafio que se coloca para a presente revisão do Plano Diretor é a cidade enquanto parte da metrópole belo-horizontina, haja vista a necessidade de se sobrepor aos zoneamentos e áreas de interesse municipais os zoneamentos e planos de mobilidade metropolitanos. O plano diretor metropolitano -- em elaboração pela Agência RMBH, órgão de política urbana estadual para a Região Metropolitana de Belo Horizonte -- tem promovido um debate de integração e enfrentamento conjunto de problemas regionais que nos revela ainda outra cidade em nossa cidade: "Os sistemas produtivos nos quais o território do Município é considerado precisam ser equacionados com as expectativas da população. Não interessa a Betim, por exemplo, receber empreendimentos que reforcem um papel de "cidade-dormitório" que a cidade tem superado ao longo dos últimos anos" -- declarou a arquiteta Maria del Mar. O fato é que a solução de muitos dos problemas de Belo Horizonte passa por um ordenamento mais controlado do entorno da Capital do Estado de modo que Betim precisa estar preparada com uma estrutura de gestão e fiscalização de uso do solo que faça frente aos desafios que a metropolização passa a apresentar ao Município.
Ricardo Cunha – arqt.ricardoc@gmail.com