Liberais e Conservadores podem ser Funcionários Publicos?
Este é um tema deveras árido, mas o qual me pus a pensar já há alguns dias, e que acredito, devo fazer um texto a respeito. Não vou contudo me alongar em firulas e vamos logo direto ao assunto: qualquer pessoa com suas plenas capacidades cognitivas tem o direito de escolher o que lhe aprouver pra sua vida. Vamos começar daqui para responder de fato a pergunta: sim, uma pessoa, sendo liberal ou conservador, mesmo sendo contra o "estatismo", pode sim aderir ao estado se o quiser, porque é direito de uma pessoa adulta, escolher seu próprio caminho, desde que respeitando os limites morais para com seu próximo -- tive de escrever este adendo moral para evitar lapsos futuros.
Pois então, colocado que um ser humano adulto (tomemos aqui o que consideramos por "pessoa", ou seja, um sujeito consciente de seus atos e que seja capaz de se autorreferenciar) deve e pode guiar a sua vida conforme sua vontade, desde que não desrespeitando moralmente seu próximo, por que diabos uma pessoa que é contra o estado, gostaria de entrar no estado? Ou seja, não estamos mais aqui no terreno da filosofia da ação, ou seja, no terreno prático do agir de uma pessoa, porque como vimos, qualquer pessoa pode fazer o que lhe der na telha, desde que não desrespeitando seu próximo. Estamos agora no terreno da lógica e da argumentação, e pensando num fator contraditório: como um sujeito que "odeia", ou ao menos acha o estado "ineficiente",pode querer fazer parte dele? De fato: o que temos aqui é uma contradição.
Mas vamos pensar um pouco mais e entender certas questões: se um sujeito (que é livre, como vimos), decide que um dos melhores caminhos a seguir na sua vida é ser funcionário publico, ele deve ter motivos individuais que o façam tomar tal decisão -- mesmo ele sendo um liberal convicto. Motivos individuais como o simples pagamento de um salário maior (que nunca ocorreria no setor privado, graças a alta carga tributária e a legislação trabalhista dos tempos anteriores à segunda guerra mundial) acabam tornando a disputa no mercado não apenas feroz (e natural), mas algo acima de tudo, impossível. Não impossível diante da guerra, não isso: mas pelo simples fato de você sempre galgar cargos maiores para aquilo que estudou, jamais vai ganhar mais ou ao menos, o mesmo que alguém no setor publico da sua mesma área, ganharia. Algumas vezes, o valor chega ao dobro disso: e daí nós temos um motivo particular forte, que faz qualquer liberal querer adentrar no setor público: a impossibilidade de no privado, hoje no Brasil, ganhar tanto ou mais que no estado -- graças claro, ao forte estatismo e "socialismo enrustido" que temos no nosso país.
Dito isso, nós temos motivos particulares, fundamentados em fatores empíricos fortes, mas que não respondem de fato a pergunta num sentido universal e logicamente mais acertado: o fato da pessoa ter motivações particulares e direito de fazer o que é melhor para si mesma, responde a questão apenas para ela mesma, para cada pessoa, e não para todas no geral: no sentido lato que estamos tentando buscar aqui. Dito isto, portanto, a duvida permanece e com ela a contradição.
Mas e no caso apenas de positivistas, ou mesmo de conservadores, que não consideram o estado um "mau" propriamente dito? Ou seja, que acreditam nas instituições, na legalidade da lei, e principalmente na ordem que o estado deve manter, para garantir o mínimo de convivência de seus cidadãos? Bom, estes "conservadores demais" -- de menos, em verdade -- o conflito realmente não existe, porque há a crença que um estado ordeiro e capaz, como um bom e disciplinado exército, é capaz de garantir, por si, o progresso. Confesso que aqui falo um pouco de mim: por ser positivista (mas nunca um progressista) também acredito que o estado, quando aferido diretamente de seu povo e dado por ele direito de existir, deve de fato garantir ordem nos setores que lhe cabem, para que assim haja progresso. Mas fiquemos atentos aqui com "nos setores que lhe cabem", para não confundir com um estado invasivo e totalitário. Por exemplo: dizer a religião das pessoas, o que as pessoas devem acreditar, ou que os filhos delas não são delas, mas do estado; ditar a economia com mãos de ferro, coibindo o indivíduo de crescer por si mesmo; ditar que tipo de "cultura" o povo deve ter como cultura: são atribuições que um estado positivo JAMAIS deve ter. E claro que temos estados que NÃO possuem tais coisas, e por isso mesmo, são positivos: Suíça, Japão e Cingapura são bons exemplos.
Então, se certo sujeito crê que um estado não invasivo e garantido pelo seu povo por vias democráticas, é um estado "não ruim", e portanto, fazer parte dele para garantir que ele assim continue sem ultrapassar as linhas do que deve, faz todo sentido que ele, logo, além das motivações individuais, queira entrar no serviço publico: é uma crença dele que o estado não pode invadir certas questões individuais e que também, como bom profissional, ele vai somar enquanto servidor daqueles que o estado, deve servir. Parece que neste caso, nós não temos contradição alguma.
Mas voltando para os liberais, ou mesmo para os anarquistas (coloquemos de fora nossos amigos comunistas e social democratas, porque eles por sí, são estadistas... até demais diria eu, principalmente os primeiros, como nós temos em Cuba e Coreia do Norte...), mas e estes, nós temos alguma resposta que garanta a não contradição de maneira universal, de "Quero entrar no serviço publico, mesmo que seja contra o estado"? A resposta nós já vimos diante dos amigos "positivistas", ou simplesmente de uma ala mais conservadora (mais que um positivismo latente): a única forma de manter o estado no seu lugar, ou seja, longe de pessoas estatistas demais, é justamente, entrando nele.
Mas como assim? As questões levantadas acima, como por exemplo, o estado não poder ditar a religião, a crença, os filhos, a economia e a cultura dos seu povo, não é abraçada de forma alguma por comunistas, que de fato acreditam que a religião deve ser extinta, que a crença nos seus líderes é necessária, que seus filhos não te pertencem, que as pessoas não sabem lidar com o dinheiro de seu suor e nem que seu povo, deve ter sua cultura: porque a cultura deve ser "universalizada" e não algo de um povo, apenas. Enquanto que mesmo alguns social democratas, acreditam que uma economia estatizante demais é uma ajuda "necessária" para o povo, sem aperceber que numa economia aonde o estado é "rei", ocorrem as crises econômicas: como estatais de petróleo ditando os preços, de correios não entregando cartas, enfim, há ainda uma descrença grande que as pessoas são capazes de (com leis inclusas) garantirem sua própria existência.
Quero deixar aqui frisado: não estou discutindo a "maldade ou bondade" de crenças, ou seja, não estou fazendo juízo de valor, se crer que proibir as pessoas de terem a religião que lhes aprouver, ou que tirar 30% do seu salário para manter serviços "públicos", sejam crenças "más". Não estou aqui discutindo a moral das crenças: haja visto que Cingapura tem diversos serviços estatais que funcionam (mas com impostos MUITO baixos), e a escola japonesa é excelente. O que estou dizendo aqui é o simples e óbvio: o estado não deve se meter na vida do cidadão, só. Mas juízo de valor nas crenças, não.
Voltando, se uma pessoa quer Garantir que o estado "não meta o seu bedelho aonde não é chamado", ela deve deixar que pessoas que acreditam que "Sim, ele deve", tomem para si o encargo de tomar conta do Leviatã, digo, do estado? Que por mais que ela acredite que "todo estado é um mal", ou que ele seja um "mal necessário" e que a "economia de mercado é a melhor coisa do mundo e não há outra coisa melhor", deixá-lo sem ela, porque simplesmente, e daí? De que "Há outros para se preocupar com estado, não eu"?
Esse é o ponto: se você, liberal ou conservador, quer garantir que o estado não tome sua vida, você tem que fazer como os Suíços: ficar de olho nele, DENTRO DELE. Você tem que fazer parte da máquina pública para não permitir que o salário do setor privado seja simplesmente, 2 à 3x menor, para o mesmo cargo, quando comparado com o público. E tal garantia não é dada "disputando com as feras", mas estando no setor público, junto de juízes, promotores, delegados, professores. Se você não gosta, ou acha que "O professor esquerdista está doutrinando meu filho!", você não deve (apenas) reclamar com uma panela na mão: você deve Entrar no Estado, e mudar essa situação, De Dentro Dele.
Afinal, pessoas como Roosevelt, Kennedy e Churchill (só para citar alguns), liberais/conservadores de seu tempo, também entraram no estado: para garantir que o Leviatã não saísse do controle. Porque não adianta querer gritar com a fera de fora do picadeiro. Se você quer que ela continue domada, e não vire sua algoz, você deve tomar conta dela, com carinho, amor e ordem.
E repetindo aos amigos de esquerda: vamos ser menos estatistas. Países como Nova Zelândia, Suécia, Noruega e Canadá, todos social democratas, não conseguiram sair do buraco porque o estado era grande: mas porque ele só cuida do que deve.