DA NECESSIDADE, URGENTE, DE REEXAME E AUTOCRÍTICA DOS TRABALHADORES DA EDUCAÇÃO QUANTO À COMPREENSÃO DA CATEGORIA SOBRE A RELEVÂNCIA DA REPRESENTATIVIDADE ELEITORAL NA SOCIEDADE DE CLASSES (CADA QUAL COM SEUS CADA QUAIS)
Claudio Chaves
kafecomleit@hotmail.com
http://aforcadaideia.blogspot.com
Confesso que fico confuso. Não sei se o problema da representatividade eleitoral no Brasil – a enorme disparidade entre a proporção de eleitos ricos e a de eleitores pobres – é uma questão cultural, econômica, politico-ideológica, educacional, tudo isso [e mais outras coisas] junto ou simplesmente uma questão ético-moral. O certo é que ela (a disparidade) existe desde que existe o país.
Passamos de Colônia a Império e, deste, chegamos à era republicana. Superamos os votos censitário e aberto, o bipartidarismo e as eleições indiretas, mas a disparidade permaneceu.
Se a sociedade é claramente dividida em castas, digo: classes, e estas são antagônicas em origens, meios de subsistência, concepções ideológicas e, principalmente, em objetivos...
Se é livre e secreto o voto e livres são a associação partidária e a candidatura a cargos eletivos...
E se todos têm acesso a essas informações, por que a disparidade persiste?
Alienação? Ignorância? Carma? Preconceitos? Tudo isso [e mais outras coisas) junto ou simplesmente uma questão cultural – a cultura do individualismo, do egocentrismo, do personalismo, do interesse próprio, do materialismo e do imediatismo?
Como não ficar confuso com tantas possibilidades?
Creio que não existam respostas prontas e, portanto, fáceis a essas perguntas. O que me consome, no entanto, continua sendo: por que permanece a tão grande disparidade?
Mesmo os pobres sendo a imensa maioria entre os que votam, os oriundos de sua casta são a ínfima minoria entre os que são eleitos. Como isso é possível em um sistema onde as eleições são livres e diretas, o voto é secreto e o peso deste igual para qualquer eleitor? Fraude no sistema de captação e apuração dos votos? Há quem diga que essa última possibilidade não deve ser descartada – pra mim, a menos provável.
Onde estaria acontecendo, de fato, a tão alardeada “traição da classe trabalhadora”? Quem está traindo quem: o parlamentar que (por ser rico) pertence a casta patronal e, por isso, vota a favor dos interesses desta, ou o trabalhador que, embora sendo livre para escolher, prefere o representante da casta patronal como seu, rejeitando – como numa negação peremptória da própria origem – os candidatos de sua casta?
“Mas o trabalhador não tem essa leitura de sociedade dividida em castas/classes”, alguém pode replicar. E isso é verdade, dependendo, porém, de como cada um classifica o que vem a ser trabalhador nessa tal sociedade classista.
Muitos, senão a maioria, definem trabalhador com base na escolaridade e, principalmente, na renda: “é analfabeto e vive de salário mínimo é trabalhador, tem nível superior e o salário permite ter casa própria, automóvel e o filho na escola particular é burguês”. O pior é que a maioria de nós, trabalhadores, pensa assim, independentemente da origem e forma de ascensão, quando é o caso.
Como se isso não bastasse, ainda há os que, farisaicamente, defendem a estrita segregação entre trabalhadores e trabalhadores: do setor público e do privado, estatutários e seletistas, de carreira e investidos em cargo, do campo e da cidade, da esfera municipal, da estadual e da federal... e por aí vai... exatamente como preceitua o taylorismo e outras doutrinas do capitalismo neoliberal.
“O problema é a Educação: não recebemos na escola uma formação que nos permita esse nível de criticidade e clarividência”, alegam alguns. Isso, também, é fato. O problema [maior] é que, ao reconhecer isso, somos obrigados a reconhecer também, para desespero nosso, que estamos atirando contra a própria cabeça; afinal, nas escolas, principalmente as públicas (por onde passa a maioria absoluta dos filhos da classe trabalhadora) não há uma classe maior e com mais oportunidades de influenciar do que a dos professores e, pra aumentar o desespero, estes são, via de regra, originários exatamente das camadas menos abastadas da classe trabalhadora. Em outras palavras, se os trabalhadores que formam outros os estão alienando ao invés de conscientizá-los, quem os desalienará? Os patrões? A burguesia patronal neoliberal? Algum poder sobrenatural e/ou místico...?
Quando observamos, mesmo a grosso modo, a procedência de nossos congressistas, fica fácil entender o estupendo êxito do fulminante contra-ataque da burguesia neoliberal e conservadora sobre as lentas, porém bem sucedidas conquistas (principalmente as mais recentes) da classe trabalhadora brasileira: quem (dos congressistas) não é burguês "puro-sangue ” (possuidor de capital e meios de produção) o é por enxerto – aquele trabalhador que, por pertencer a faixa salarial da parte superior da pirâmide ou por ser liberal, por exemplo, sente-se um autêntico burguês e, na hora de aprovar os interesses dessa casta, vota como tal.
Quando comparamos a quantidade de parlamentares burgueses (“puros-sangues” mais os “enxertados”) com a de autênticos representantes da casta trabalhadora, os últimos praticamente desaparecem entre os primeiros.
Isso não é tão simples de entender; menos ainda o é de reverter. Mas é possível. Querer pelo menos estudar e discutir o assunto já seria um bom começo. Aqui reside, porém, um dos nossos carmas (pelo menos no caso dos trabalhadores da Educação no Amapá): esse querer discutir.
Há uma pressa desgraçada. Um açodamento inexplicável em querer resolver as coisas à base da força – é a tal da “ideia da força tentando suplantar a força da ideia” – ou simplesmente no grito. Reunir, discutir, debater, se capacitar, se qualificar, estudar estratégias, etc., tudo isso é considerado “perda de tempo”, “blábláblá”, “lero-lero”, “mi-mi-mi”... “O negócio é partir pra ação”, coordenada ou desordenada, planejada ou improvisada, espontânea ou imposta, racionalizada ou puramente emocional, pouco interessa; o importante, para quem defende esse tipo de atuação da classe trabalhadora, é simplesmente agir, gritar, agitar, fazer barulho, contestar, mesmo que o alvo seja, não raras vezes, os de sua própria casta.
Isso tão forte e tão permanente entre os trabalhadores da Educação no Amapá que, não raras vezes, tenho a forte sensação de que noutra encarnação éramos todos canibais. Isso é terrível.
Não entendo – nem há como – o porquê da prontidão e da gana de muitos dentre nós para aniquilar, podar, desqualificar qualquer menção de autocrítica – ou até mesmo uma crítica contra a parte dominante do sistema, desde que o tom seja divergente ou parta de uma fonte com a qual eu não me afino – que se esboce fazer, ainda que por mais bem fundamentada que a seja.
O Emblemático Exemplo do SINSEPEAP
25 de junho/2017 é uma data emblemática nesse contexto, tratando-se de Estado do Amapá. Nesse dia fora eleita a Diretoria do Sindicato dos Servidores Públicos em Educação no Amapá (SINSEPEAP) para o triênio 2017-20.
Dos quase 13 mil sindicalizados aptos a votar, menos de 4 mil compareceram (bem menos de 1/3).
A chapa eleita obteve menos de mil votos (aproximadamente 25% dos votos válidos, e menos de 10% do total de sindicalizados).
Além do sério problema de representatividade – menos de um em cada dez sindicalizados aprovou a proposta de gestão eleita, embora tenha sido esta, entre sete concorrentes, a que recebeu mais votos –, esses números representam outro problema mais preocupante ainda: a resistência dos sindicalizados, em sua absoluta maioria professores, em participarem do processo.
Enquanto 25% dos (menos de 30%) que participaram votaram pela proposta eleita, mais de 70% da totalidade de sócios sequer quiseram saber que propostas estavam em discussão. Tratando-se de participação democrática, isso é praticamente uma tragédia!
Tal realidade não representa apenas um protesto ou desprezo pelos próprios colegas concorrentes...é muito mais grave!
Isso é, no mínimo, a negação direta da importância do processo em si.
Ora, se os professores – a maioria dos sindicalizados e, de ofício, a parte mais esclarecida – rejeita tacitamente o processo democrático para a escolha de seus representantes, não há como resistir a algumas arguições:
– Se não esta, qual, então, é a forma de escolha de seus dirigentes q os abstêmios propõem?
– Na condição de mestres (no caso dos professores), como pretendem incentivar seus discípulos (os educandos) a tomarem parte no processo de participação democrática com esse tipo de exemplo?
– Com que moral os professores abstêmios pretendem condenar a Justiça ao empossar, por exemplo, prefeitos eleitos com 30% ou menos dos votos válidos? Não estão eles (os professores) empossando uma gestão eleita com 25% dos votos válidos e menos de 10% do total de eleitores representados?
O adendo sobre o caso específico da eleição do SINSEPEAP 2017 é para chamar a atenção sobre o profundo processo de alienação ao qual ainda permanece o trabalhador brasileiro – incluindo, evidentemente, o professor – e o quanto isso torna comprometedor o projeto da tão decantada transformação social, a chamada revolução das classes operárias.
Pra mim, um dos exemplos mais clássicos – e mais deprimentes – da falta de sintonia da classe trabalhadora brasileira com o mundo no qual está inserida e a relevância da representatividade eleitoral é o resultado das eleições municipais de 2016. Os partidos que mais elegeram prefeitos foram PMDB e PSDB e, o que mais perdeu foi exatamente o PT. Ou seja, o que a esquerda brasileira construiu, em termos de formação ideológica em 14 anos no poder central, a direita comprometeu em poucos meses de campanha midiática e ações do congresso nacional, orquestradas por três caciques: Cunha, Temer e Aécio.
Eis o porquê das perguntas iniciais: alienação? Ignorância? Carma? Preconceitos? Tudo isso [e mais outras coisas) junto ou simplesmente uma questão cultural – a cultura do individualismo, do egocentrismo, do personalismo, do interesse próprio, do materialismo e do imediatismo? O que acontece com a cabeça do nosso povo? Como nós, professores, estamos trabalhando para reverter isso?
Eu sei, obviamente, que o meu posicionamento não gerará consenso entre os meus colegas. Ao contrário; se minha experiência não me trair, certamente suscitará mais censura e discórdia do que contentamento e adesão. No entanto, pelo menos no momento, estou convencido de que a falta de informação a respeito do que acontece no Brasil nesse momento é o fator menos relevante para o posicionamento de nossa categoria. A questão é, sobretudo, de ordem moral. Criticamos acidamente o canibalismo social do sistema capitalista neoliberal; porém, essa crítica é amainada (quando não desaparece ou até é feita no sentido contrário) na medida que, individualmente, eu sou a parte favorecida. Nesse caso, o compromisso e o comprometimento com a coletividade pode esperar mais um pouco. Cristovam Buarque que o diga.
Sinceramente, gostaria que não fosse assim, porém não vejo como alcançar êxito no combate aos vícios do sistema o qual contestamos sem, antes, reconhecermos e combatermos aqueles (inúmeros e graves) persistentes entre nós.
#LutarSempreTEMERJamais