Picadeiro
Há algum tempo o Congresso Nacional vem se transformando em um diversificado e fétido picadeiro. Por conta de instabilidades políticas recorrentes, acontecimentos inusitados passaram a ser corriqueiros em ambientes onde impreterivelmente deveriam prevalecer a ética e o respeito aos posicionamentos e correntes ideológicas distintas. Especialmente após as gravíssimas denúncias de corrupção envolvendo personalidades do alto escalão dos poderes Executivo e Legislativo, parece que a coisa degringolou de vez. Perdeu-se completamente o senso crítico, a polidez, a serenidade e o equilíbrio, requisitos mínimos indispensáveis para o convívio razoavelmente harmônico entre os parlamentares. Aquela conhecida máxima de que determinados atributos da personalidade são comumente consolidados com a experiência adquirida no passar dos anos deve ser imediatamente desconsiderada (por motivos óbvios), quando se trata de políticos. Pelas traquinagens costumeiras e atitudes tipicamente pueris, poder-se-ia afirmar que nossos representantes federais se engalfinham exclusivamente para garantir sua parte no osso, seja lá qual for. E a retórica verborrágica de que agem dessa forma com o intuito de defender os interesses do cidadão, definitivamente, não cola mais.
Em mais um triste acontecimento, a comprovação de que a carência de valores basilares que acomete os representantes do povo ficou ainda mais evidente. O clímax da demonstração recente de desprezo pelas instituições e suas normas regimentais se deu no plenário do Senado Federal, quando algumas irredutíveis senadoras resolveram tomar de assalto a mesa da presidência, impedindo o reinício dos trabalhos. Nem os apelos dos demais colegas foi o suficiente para convencer as rebeldes sem causa, que transformaram o local em restaurante particular. E com o ambiente no escuro, com direito a iluminação especial por aparelhos celulares e flashes dos fotógrafos que cobriam a sessão, deitaram e rolaram por algumas horas, indiferentes à possibilidade de que esse ato insano viesse a configurar quebra de decoro parlamentar. Some-se a essa deplorável conduta a veemência desmedida dos protestos de deputados apoiadores do atual governo, que não economizaram nos adjetivos nada republicanos, direcionados ao relator e ao presidente da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara Federal; ou ainda por aqueles considerados “infiéis”, substituídos no último momento por conta do troca-troca interesseiro naquela mesma votação polêmica. Os bramidos dos preteridos carregam muito mais do que um inconformismo passageiro, sentimento natural quando o ser humano é contrariado. Revela também os intestinos de uma classe em franca decadência nesse País, que invariavelmente tenta se manter no poder com barganhas explícitas e escandalosamente imorais.
Por essas e por outras (como na votação do impeachment da então presidente Dilma Rousseff), a população passou a conhecer melhor seus representantes. Com algumas pouquíssimas exceções, são todos farinha do mesmo saco. Viram o cocho em que comem sem constrangimento algum. Pendem de um lado a outro ao sabor das conveniências, como o senador Renan Calheiros, outrora ferrenho defensor do governo e agora crítico implacável das iniciativas palacianas. Estamos, pois, à mercê dessa gente compromissada exclusivamente em atender suas próprias demandas, que não são poucas. A lista de apaniguados é interminável, mesmo com a farta disponibilidade de centenas de cargos à disposição do mandatário-mor e seus asseclas. O País está em descrédito total perante o mundo, em função das estripulias de seus governantes. Indiferente a tudo isso, o picadeiro do Planalto Central continua a todo vapor, prometendo novas atrações a qualquer momento. E ao que tudo indica, o circo continuará montado por um longo tempo.