Corrupção distribui renda?
Nacib Hetti
Claro que não. Em condições normais, a corrupção é um processo de concentração de renda. Ela tira recursos derivados de um sistema tributário, a serem aplicados em saúde, segurança e educação, e carreia para os bolsos dos políticos e administradores públicos desonestos. Bom, estamos falando em tese, pois no Brasil, ironicamente, a corrupção já praticada está constituindo-se em um mecanismo que está distribuindo renda, de forma pouco ortodoxa, mas está.
O conceito básico da distribuição de renda está diretamente vinculado à constatação de que uma pequena parcela da população detém um volume desproporcional da renda nacional, e a parcela maior, formada pelas classes mais pobres, tem uma participação pequena da renda. A elasticidade da renda está diretamente relacionada ao seu volume, sendo que o seu desequilíbrio é caracterizado pela proporcionalidade da distribuição.
Dispondo de poucos mecanismos para intervenção em uma economia de mercado com forte conotação capitalista, o governo brasileiro usa o sistema tributário como instituto que permite arrecadar mais e distribuir na forma de subsídios, renúncias fiscais e programas sociais, como Bolsa Família. É pouco, mas vale a tentativa. Sobras para investimentos, nem pensar
Por uma peça pregada pelo destino surgiu uma investigação ampla, inicialmente contra um doleiro, atingindo uma elite desonesta, antes imune e impune, formada por empreiteiros, grandes corporações, líderes de carteis, velhos políticos e administradores públicos. Com o processo em andamento, boa parte do dinheiro entesourado pela corrupção está retornando, numa bizarra nova distribuição de renda.
Boa parte do dinheiro dos achaques e do sistema de corrupção está sendo cambiada para a economia real. É uma distribuição surreal, mas é distribuição. No caso da Lava Jato, parte do retorno do dinheiro roubado pelos políticos desonestos está ocorrendo por meio dos competentes escritórios de advocacia. Um cálculo feito por um advogado militante na área criminal estima que já foram gastos aproximadamente R$300 milhões com defesas, recursos e outros procedimentos. Essa pequena fortuna é bem maior do que foi apurado no processo do mensalão. É a volta, com juros, do dinheiro roubado.
Sem querer, as instituições judiciárias brasileiras arranjaram uma nova forma de distribuição de renda. Os bancos europeus estão contribuindo com as investigações e estarão repatriando milhões de dólares, cujo montante ainda é desconhecido. Os valores pagos pelos corruptos aos escritórios de advocacia representam apenas uma pequena parcela da nova modalidade de distribuição de renda. O volume mais substancial, derivado de multas aplicadas pelos tribunais e pelos acordos de leniência, deve chegar à casa de R$200 bilhões, bom para tapar parte do buraco de nosso déficit fiscal. Só a multa da JBS é de R$10 bilhões. A somar, ainda, o valor didático da Lava Jato.