ESQUERDOPATIA E LINGUAGEM

A proposta desse texto é submeter a uma leitura mais atenta (e, conforme espero, criteriosa) alguns exemplos textuais da expressão do pensamento crítico normalmente encontrado na assim chamada grande mídia, bem como nas redes sociais, a respeito de política, sobretudo.Leitura atenta pois a característica que pretendo denunciar, assim digamos, é justamente aquele teor de jargão ou dialeto grupal cuja eficácia não se dá sem a necessária concessão aos pressupostos ideológicos da tribo, a linguagem mesma do grupo sendo definida a partir da distorção da relação entre a coisa, enquanto elemento da realidade, e o termo que a nomeia, o pernicioso fenômeno da comunicação através do qual as coisas deixam de ser percebidas como o que realmente são para serem assimiladas pelo filtro arbitrário de um delírio compartilhado.Uma vez atuante na mente subjugada, é exatamente a algum grau de amortecimento das faculdades da atenção que se deve o seu agravamento na esfera individual e difusão nas áreas de atuação dos acometidos pelo mal.Leitura criteriosa pois na impossibilidade de dar conta, aqui, do fenômeno propriamente dito – histeria, clinicamente falando – restringirei o foco de minha abordagem ao problema pelo viés das mais elementares noções de significado, em acepção dicionaresca, metafórica, metonímica e de senso comum, até onde o código corrente não incorra em injustificável ruptura entre linguagem e a percepção da realidade a que se reporta.
 
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A título de ‘aquecimento’, uma pérola do auto-denominado ‘filósofo de São Paulo’, o professor Paulo Ghiraldelli.Em sua apaixonada defesa do estilo vegano/vegetariano de ser, escreve:
 
‘Cada boi morto é um ato contra Deus; a não ser que Deus seja sádico.’
 
É a fala de alguém pensando com as entranhas...Depreende-se do texto que, na percepção do ‘filósofo’, Deus, sendo bom, não pode consentir na morte de um boi, vejam vocês, e que ‘a não ser que Deus seja sádico’, um boi morto é um ‘ato contra Deus’.Isso é comovente mas não me refiro ao boi, estou pensando se alguém de fato acredita nisso – é curioso o recurso de defesa emocional empregado, dá o que especular a respeito da maturidade do indivíduo...Bem, a coisa toda não se sustenta, mesmo que sejamos capazes de sentir pena de quem argumenta nesses termos, pela inconsistência mesma do que é dito e assumido como pressuposto na afirmação.O que o professor está afirmando, sem se dar conta, na verdade, é que ele acha que Deus não deveria consentir na morte do boi uma vez que ele, Ghiraldelli, não consente na morte do boi.Ou seja, um ato que cause tanto conflito interior não deve encontrar respaldo em Deus, ora essa.O Deus do professor Ghiraldelli é um ser mágico, talvez aparentado com Papai Noel ou uma versão menos infantil deste, simples assim.
 
  • A morte de um boi decorre de sua natureza, ou seja, se é vivo certamente deixará de sê-lo, em algum momento.
 
  • A transição, de vivo para morto, ocorrerá ainda que ninguém atente contra a integridade física do boi, seja para comê-lo, seja para demonstração de um silogismo improvisado.
 
  • Deus, assumindo que Ele exista, necessariamente criou o boi-que-morre.
 
  • A morte do boi (assim como sua vida) estava necessariamente prevista na onisciência divina.
 
  • Nenhum boi morto, portanto, pode ser um ato contra Deus, mesmo quando UM FATOR CONCORRENTE DESSA MORTE seja deliberado, consciente, programático, etc , (por exemplo, o ganha-pão do açougueiro...) e isso na medida em que assumimos que Deus provavelmente não se compraz naquilo que o contradiga...
 
Tudo isso é por demais evidente até para ser colocado nesses termos, eu sei, mas os desvios de linguagem operam a partir dessa leniência fundamental com essas ‘revoltas contra a realidade’ das quais derivam suas próprias ferramentas de expressão do que se lhes afigura como a verdade, a sua acepção revisada e distorcida de mundo.Que alguém não se dê conta de que elabora o mundo a partir de critérios da vontade (e não da verdade) já não chega a ser exatamente uma surpresa, enfim.

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Um exemplo de maior alcance, e aqui entrando com total propriedade no que podemos identificar com o neologismo ‘esquerdopatia’ – termo impreciso e mesmo redundante, se levamos em conta o tipo de ressentimento necessário ao surgimento das balizas da orientação ideológica de esquerda, desde as noções utópicas de ‘igualdade’ até à inevitável onipresença da máquina estatal, com seus típicos desdobramentos, cerceamento da liberdade de consciência, doutrinação ideológica e privação das liberdades individuais.O texto é do site Brasil 247, os comentários vão para o que está em destaque.
 
Embora seja rejeitado por 90% dos brasileiros, está cada vez mais claro porque Michel Temer não renuncia ao cargo que conquistou por meio de um golpe parlamentar, que arruinou a economia e a imagem do Brasil. Todos os seus principais amigos, que articularam o golpe, estão presos.
 
O primeiro a terminar atrás das grades foi o ex-deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ), que acolheu o pedido de impeachment sem crime de responsabilidade – ou seja, o golpe – e já foi condenado a 15 anos e quatro meses de prisão. 
 
Mais recentemente, outro ex-presidente da Câmara, e também extremamente ligado a Temer, o ex-deputado Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN), terminou atrás das grades por propinas cobradas na Arena das Dunas. Agora, foi a vez de Geddel Vieira Lima, que era um dos principais operadores de Temer e também foi peça-chave no golpe.
 
Quando Geddel caiu, por tráfico de influência num episódio tenebroso da construção de um espigão em Salvador, que também derrubou o então ministro da Cultura Marcelo Calero, Temer encontrou um outro operador para seu ligar. Ninguém menos que Rodrigo Rocha Loures, que acabou preso depois de receber uma mala com R$ 500 mil em propinas.
 
De todos os grandes articuladores do golpe, quem conseguiu escapar da prisão foi o senador afastado Aécio Neves (PSDB-MG), que, no entanto, teve o dissabor de assistir sua irmã Andrea ser presa.
 
Ou seja: como previu a presidente legítima Dilma Rousseff, derrubada pela "assembleia de bandidos presidida por um bandido", não iria sobrar "pedra sobre pedra".
 
O que falta, agora, é o Brasil ter vergonha na cara para cobrar do Supremo Tribunal Federal a anulação do golpe – o capítulo mais vergonhoso da história nacional.

 
Bem, o articulista esquerdopata lança mão, aqui, de um recurso que já é trivial no jornalismo brasileiro : parte de uma afirmação que é assumida como consensual, de verdade inequívoca, para sustentar seu ponto de vista a respeito do objeto em questão, necessariamente dando aquela ênfase na perplexidade que o absurdo naturalmente desperta no público decente e politicamente consciente.O que ele está afirmando, de modo especialmente canalha, é que um presidente com uma taxa tão alta de rejeição não deveria estar ainda no comando do país.
 
Ora, ainda que pesquisas dessa natureza fossem indicador confiável da opinião pública – desnecessário dizer que esse mesmo site talvez não tenha levado muito a sério as pesquisas a respeito da popularidade da Dilma pré-impeachment, a única presidente desse país a despertar um sonoro coro de ‘Ei, Dilma!Vá Tomar...’, lembram do episódio? – ao menos duas coisas podem ser ditas a respeito desse tipo de abordagem:
 
  1. A rejeição popular foi fator (concorrente, vá lá, mas foi) do impeachment da Dilma, execrado pelo articulista do 247.Naquela ocasião, no entanto, as esquerdas em coro afirmavam que tudo era uma orquestração das elites do poder econômico manipulando as massas, a rejeição indicada em todas as pesquisas da ocasião era, então, fictícia.Hoje, a rejeição ao presidente – que por um acaso chegou ao poder graças aos eleitores da Dilma, pois ERAM DA MESMA CHAPA – é legítima e exige uma contrapartida adequada, que atenda aos anseios ‘do povo’.  
 
  1. Se popularidade garantisse a manutenção do poder, Fernando Henrique Cardoso não teria cumprido metade de seu mandato, pois até onde sabemos, não era muito de dar ouvido ao clamor das ruas...
 
Veja que não se trata, aqui, de defender o atual governo ou os de FHC a fim de descartar aquilo que o articulista esquerdopata sequer põe em discussão, ao assumi-los como pressupostos suficientemente válidos e consistentes.A percepção do bando está cristalizada na peculiaridade de seus meios de expressão, a realidade como tal já foi devidamente substituída pelas miragens de um delírio coletivo.
 
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Israel Rozário
Enviado por Israel Rozário em 02/07/2017
Reeditado em 04/07/2017
Código do texto: T6043822
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