Anular o voto é um direito seu

ANULAR O VOTO É UM DIREITO SEU
Miguel Carqueija


Não consigo concordar com as pessoas — mesmo algumas de excelente caráter e reputação — que repudiam o voto nulo, como se este procedimento contivesse em si algo de sujo ou mesmo pecaminoso. Ouvimos coisas do tipo: “se não houver um candidato bom, vote no menos ruim”.
Mas o que seria o “menos ruim”? E faz alguma diferença votar em alguém mais ou menos ruim, se de qualquer forma é ruim?
Chamam a isso o “voto útil”. Já em diversas ocasiões defendi que o voto útil é uma imoralidade, pois representa uma violência contra a própria consciência do eleitor. E violentar a consciência é algo muito grave. Pior ainda é quando alguém diz que “tapou o nariz” para sufragar alguém, pois o que visava era barrar outra pessoa.
Se você “tapa o nariz” para votar está desvirtuando seu voto, pois não é possível que a democracia exista para isso. Não se deixe impressionar por falsos escrúpulos, como se houvesse a necessidade moral absoluta de optar por alguém, como se houvesse alguma espécie de horror no voto nulo. Lembre-se que a lei permite o voto nulo e o mesmo aparece como opção na tela.
Não estou, diga-se de passagem, fazendo a apologia de anular por anular. Muito pelo contrário a obrigação do eleitor consciente é procurar conscienciosamente um nome razoável para indicar. Não sou tão cético quanto os que alardeiam não votar em ninguém porque “ninguém presta”, esse critério é cínico e contraproducente. O voto nulo é o último recurso. Todavia, com a polarização da política brasileira em partidos poderosos mas nocivos, é o recurso mais indicado nos segundos turnos, onde geralmente aportam os piores. Se isso ocorrer, não hesite e anule para não ter em sua consciência o advento de um mau governo.
“Mas alguém tem de vencer”, dirá alguém, “anulando você está desperdiçando o seu sufrágio”. Tal argumento me parece muito bobo, pois esbarra com o direito de seguir a própria consciência. Você não tem culpa pela falta de opção no segundo turno, não é sua obrigação ir contra a própria consciência votando em alguém que repugna aos seus princípios, só porque o outro candidato repugna um pouco mais.
Posso dar um exemplo. Desde que começaram as eleições presidenciais (pois antes do regime militar eu não tinha idade para votar) só em 1990 votei em Fernando Collor no primeiro e segundo turno, e depois me arrependi. Depois disso, em seis eleições seguidas – 94, 98, 02, 06, 10 e 14 – sistematicamente anulei no segundo turno, por não concordar com os dois partidos que monopolizaram as duas colocações maiores: PT e PSDB. Nunca me enganei com gente como Lula, Fernando Henrique Cardoso, Aécio Neves, José Serra, Dilma Rousseff, Geraldo Alkmin. Todos esses me causam repugnância.
Claro que existem pessoas que não compreendem essa atitude (única que eu julgo aceitável no caso) mas aí entra em cena o sectarismo. Consideremos a última eleição. Para os adeptos de Dilma, ao anular eu favoreci o Aécio. Para os adeptos de Aécio, ao anular eu favoreci a Dilma. E durma-se com um barulho desses.
Lógico que eu não aceito esse tipo de ingerência em minha vida. Quando a gente decide votar com a consciência está aberta a possibilidade de optar pela anulação. Deus sabe que prefiro votar em alguém mas se tiver de anular eu anulo — e ponto final.

Rio de Janeiro, 14 de junho de 2017.