Crise moral
“Uma crise que tem por base a corrupção”. Citação que não pode ser questionada, em se tratando do quadro de indefinição política que nos estarrece no momento. Na Venezuela, a crise pode ser atribuída à má gestão, até porque não terá sido esta a Venezuela deixada por Chávez. Na Europa, notadamente no Reino Unido, talvez possamos dizer que se instaure uma crise no setor de segurança interna se não for contida a repetição de atos terroristas de difícil previsão.
Em nosso país, contudo, a crise é basicamente devida à malversação abusiva do dinheiro público, exatamente por parte de quem não deveria ocupar-se dessa atividade criminosa – os governantes e políticos em geral (presidentes, ministros, senadores, governadores, prefeitos, deputados e vereadores), ajudados por empresários inescrupulosos e eleitos pelo povo como seus representantes.
A nossa crise parece atingir o ápice agora com a comprovação, ao que tudo indica, da culpabilidade da autoridade maior da República, o presidente Temer. E em torno disso ganha força o pleito popular por eleições diretas, ainda que devidamente manipulado pelo oportunismo favorecido pela situação.
Como sabemos ou ouvimos, corrupção sempre houve por aqui, talvez mesmo há 500 anos. Só que não podemos esquecer que essa atividade punidora da vida dos brasileiros acentuou-se de forma expressiva recentemente. Não será um erro dizermos que esse ponto de inflexão corruptivo, que se presume estar chegando hoje ao ápice, iniciou-se recentemente com a Ação Penal 470, o chamado Mensalão. Durante o governo de um presidente que se declarou em total desconhecimento dos crimes cometidos por integrantes do meio político, alguns pertencentes à sua base de sustentação.
Embora velha conhecida de todos, a corrupção encontrava-se escondida ou vinha há séculos dissimulada com alguma perfeição. É forçoso reconhecer que a atividade criminosa de políticos, esquerdistas ou não, em conluio com notórios empresários, começou a ser mais explicitada, de certo modo, a partir do Mensalão. Durante, portanto, o governo petista. Com nomeações como a de Joaquim Barbosa, por exemplo, como ministro e depois presidente do STF, de atuação independente, até que se prove o contrário.
Seguiu-se depois o Petrolão, que alguns consideram anterior à própria fundação da Petrobras, e o impeachment da presidente Dilma, por muitos tido como um golpe civil que se configurou no “capítulo mais vergonhoso da história política brasileira”, segundo os defensores da presidente.
De qualquer modo, a corrupção só ascendeu, a ponto de agora estarmos na iminência de nos depararmos com mais um afastamento de presidente da República.
À essa ascensão seria normal e até mesmo auspiciosa uma reação, por parte de um Judiciário, independente e não comprometido com práticas deletérias, que fizesse jus aos anseios da sociedade pela moralização do meio político brasileiro e contenção dos índices exponenciais de corrupção. Surge então, dentre outros mecanismos judiciais, a Operação Lava Jato, e com ela, através das delações premiadas, ficamos sabendo quase que diariamente de crimes como formação de quadrilha, corrupção ativa, lavagem de dinheiro, evasão de divisas e outros. Crimes cometidos por políticos em quem votamos e todos contra a nação e o seu alicerce básico – o cidadão comum brasileiro. E todos ainda enriquecendo o “capítulo mais vergonhoso da história brasileira”, a ponto de macular o país no cenário político internacional.
Fora das intrigas, manobras e do pernicioso convívio da vida palaciana, o que o cidadão comum pode esperar é que cada participante com qualquer reserva ponderável de poder, independente da corrente política em que acredita estar incluído, consiga de alguma forma confessar os seus pecados na tentativa de deles se exorcizar. Por que quem não os tem? O natural mesmo seria o abandono da vida política para aqueles que exorbitaram em práticas delituosas que os levaram a um enriquecimento ilícito várias vezes superior ao necessário.
Como são mínimas as chances de isso ocorrer, resta à sociedade esperar que a Justiça possa identificar essas pessoas a partir da comprovação inequívoca dos crimes que cometeram e submete-las ao rigor da lei. Não importando as queixas ou acusações desses comprovadamente envolvidos contra outros acusados, na medida em que os crimes de uns são os crimes dos outros.
No impeachment da presidente Dilma, por exemplo, seus defensores sustentaram que “do total de parlamentares que a julgaram, 60% são suspeitos ou acusados de crimes que vão desde falsidade ideológica até abuso de poder econômico”. É ótimo que se possa falar e reconhecer isso. Mas será que com tais características só existam pessoas do outro lado? Isto é, não há ninguém no partido da ex-presidente que tenha se valido de práticas semelhantes?
Da mesma forma, no caso de eleições indiretas decorrentes do afastamento do presidente Temer, será que podemos confiar em 60% dos congressistas para a escolha do novo mandatário? Com provavelmente 60% dos congressistas respondendo a inquéritos ou envolvidos em atos de corrupção?
E quanto às eleições diretas, haverá alguém em quem possamos confiar? Não podemos é ficar sem presidente. Daí a necessidade de mecanismos de depuração moral do político brasileiro. Que na contingência de não ser mais possível através da Educação, terá que se dar através da Justiça.
Rio, 05/06/2017