CHEGA DE FAZER CONSTITUIÇÕES
 
 
Um dos reflexos da imaturidade política do povo brasileiro é o alto número de Cartas Magnas que já foram produzidas ao longo da nossa história como nação independente. Foram sete no total, com as modificações que cada uma sofreu em suas breves vidas. Nesse período, os Estados Unidos da América só teve uma, e outros países, como a Inglaterra, por exemplo, que nunca precisou escrever uma, há quase oitocentos anos ainda se guia por um documento medieval feito nos tristes anos do reinado do inefável João Sem Terra ( A Magna Carta de 1215).
Nossa primeira Constituição, a de 1824, refletiu o conflito existente entre a elite latifundiária e escravagista que dominava a economia do país e uma ainda incipiente burguesia comercial que começava a se formar nas cidades brasileiras. Nessa briga, a chamada “Constituição da mandioca” projeto defendido pelos fazendeiros foi derrotado por uma Carta imposta por D. Pedro I, já que no projeto dos latifundiários os poderes do monarca eram consideravelmente diminuídos, e os portugueses, que em grande parte ainda detinham uma força política considerável, eram discriminados. A Carta de 1824 foi feita para gerir um estado monarquista, com quatro poderes: Executivo, Legislativo, Judiciário e Moderador, este último exercido pelo próprio imperador.Foi a Carta que mais durou. Sobreviveu durante todo o Império e só foi derrogada em 1891, após a proclamação da República.
Na Constituição de 1891 predominaram os interesses dos latifundiários prejudicados principalmente pela libertação dos escravos ocorrida nos últimos anos do Império. Agora eram os cafeicultores, principalmente paulistas, e os pecuaristas, principalmente mineiros, que descontentes com o regime imperial, derrubaram a monarquia e instituíram uma república copiada, em grande parte, da Constituição americana. Mas, muito longe de refletir o espírito libertário e emulador que a Carta americana inspirava, essa Constituição, na verdade, instigou e criou dois Brasis. Um, nos estados do Sudeste (São Paulo, Minas, Rio de Janeiro) e outro no resto do país. Conflitos como o de Canudos, na Bahia, o episódio do cangaço na caatinga nordestina, a Guerra do Contestado, no Paraná e Santa Catarina, a marcha da Coluna Prestes, refletiram bem o caráter desagregador dessa Carta elitista e conservadora, que facilitava a exclusão de uma parcela significativa da população brasileira.

Já a Constituição de 1934, que pôs fim á chamada República velha, foi feita por uma maioria progressista que apoiou Getulio Vargas em seu golpe de 1930. Após vencer a reação dos latifundiários paulistas, na Revolução Constitucionalista de 1932, foi feita essa que pode ser considerada a mais liberal das Cartas Magnas brasileiras, antes de 1988. Nela se deu uma ampla reforma eleitoral, introduzindo o voto universal secreto, incluindo o voto feminino e os trabalhadores, pela primeira vez, tiveram seus direitos garantidos em uma Constituição. Mas ela pouco durou, pois a reação das elites, agora formada não só por latifundiários e pecuaristas, mas também já engrossadas por uma ainda incipiente, mas já influente classe empresarial, forçaram o então presidente provisório Getúlio Vargas a dar outro golpe de estado e instituir um governo fascista, á moda do que estava em voga na Europa (Alemanha e Itália, principalmente), com a desculpa de proteger o país do perigo comunista. (o mesmo argumento usado por Hitler e Mussolini para instituir os seus tirânicos regimes). Assim, a Constituição liberal de 1934 duraria apenas três anos. Seria substituída pela de 1937, do chamado Estado Novo.
A Constituição de 1937, como é óbvio, serviu para legitimar a ditadura de Vargas. Foi um período de intensa repressão ás liberdades públicas, não obstante o regime fascista de Vargas ter proporcionado alguns avanços na área social. Mas essa também durou pouco. Viveu até 1946, quando foi promulgada a chamada Constituição “polaca”, que em suas características principais, revivia a Constituição de 1934 e contemplava outros avanços na área política, social e administrativa, conquanto mantivesse, na questão trabalhista, a velha estrutura imposta pela ditadura Vargas para manter o controle sobre os sindicatos e os trabalhadores.
Ma a Constituição de 1946 seria derrogada pelo governo militar que assumiu o poder em 1964. Esse governo promulgou, em 1967, uma nova Carta Magna, a qual foi emendada em 1969 pelos chamados atos institucionais. Mais uma vez foi o “perigo vermelho” que justificou a imposição de um governo autoritário e repressor, marcadamente de direita, que não obstante procurou dotar o país de uma infra-estrutura moderna capaz de colocar o Brasil entre os chamados países emergentes.
Mas essa, como as demais teve vida curta, pois com a redemocratização promovida em 1986 (fim do governo militar) foi promulgada a Constituição atual, a chamada Constituição Cidadã, de 1988. Escaldados e cansados pelo longo período de autoritarismo e repressão, os constituintes produziram uma longa e utópica Carta onde se procurou regular e garantir praticamente tudo que se entende por direitos sociais. Na teoria, se fosse possível a aplicação da atual Constituição, nenhum povo no mundo seria tão livre e feliz como o brasileiro. Faltou estipular, na Carta de 1988, os recursos pelos quais, em uma economia ainda em desenvolvimento, se poderia garantir tantos direitos.
Pior que não ter direitos é saber que se tem, mas não poder exercê-los. E este é o grande conflito que hoje se vê no Brasil. E é por isso, também, que se clama tanto por reformas, e esta é a razão de tanta gente clamar pela eleição de uma nova Constituinte, para fazer uma nova Carta. Mas cá entre nós, chega de fazer Constituições. Se fazer uma nova Carta Magna toda vez que o país entra em crise resolvesse, o Brasil seria a nação mais desenvolvida e feliz do planeta. Está na hora de amadurecermos como povo e nação. Se a atual Constituição têm entraves que causam empecilhos ao desenvolvimento da economia do país (e de fato tem), é preciso examiná-los com critério e cabeça fria, sem a febre da ideologia e do interesse pessoal a contaminar esse exame. Não precisamos de uma nova Constituição. Devemos sim, ajustar a que temos á nossa realidade. É preciso ter em mente que nenhuma lei pode garantir a realização de um sonho que não corresponde á realidade em que se vive. E não há sofrimento maior do que viver uma ilusão que não pode ser realizada, mas que continua sendo induzida em nossa mente como forma de manter-nos sempre submissos ao jugo de quem tem o poder de criá-las.