Bloqueios
        
           A história recente do Brasil obriga-nos a ouvir repetidamente algumas palavras que talvez soem estranhas aos nossos ouvidos, tais como: delação, codinome e por último, bloqueio.
       
          A ligação que faço neste momento com a história brasileira remete-nos há 53 anos, quando acontecimentos carregados de pensamentos ideológicos sacudiram o nosso país, muito diferentes dos de hoje, brindando-nos com fatos discutidos e interpretados de forma calorosa, até hoje, pelos lados simpatizantes.
       
        A revolução, fermentada no seio das classes intelectual, operária e estudantil, talvez não possuísse o viés de relevância necessário para alavancar o processo de consumação do objetivo colimado, qual seja: a tomada do poder por meio da força; alinhado possivelmente com o ideólogo bolchevique Leon Trotsky, então, orbitava nos dias de mormaço ideológico e comunista, que caracterizavam o momento político e republicano da época.
      
       “A marcha da Família com Deus pela liberdade”, ocorrida em 19 de março de 1964, além de tantas outras manifestações de igual magnitude, materializavam muito bem a explicação do termo conta revolução.
    
      O ápice desse momento histórico aconteceu em 30 de março, quando o Presidente João Goulart em discurso no Automóvel Clube do Rio de Janeiro dirigira-se a uma assembleia de Sargentos, desencadeando a Revolução, marcando-a para a noite de 2 para 3 de abril de 1964.
  
       Porém, o movimento fora antecipado para a noite de 31 de março de 1964 em Minas Gerais quando marcharam em direção ao Rio de Janeiro, no encontro dessas forças com tropas do I Exército convocadas para barrá-las, fora marcado pela persuasão, não havendo se quer o disparo de um único tiro.

         Os dias que se sucederam a esse episódio, inicialmente, foram de júbilo pela democracia, no entanto, posteriormente, ganharam características diversas: golpe, contra revolução, revolução e tantas outras denominações, que hoje, culminam com um desconhecimento histórico estrondoso e relevante.

        “Os dias eram assim”(1): enfadonhos, repetitivos, de posicionamentos opostos ao regime vigente; começaram, então, a ganhar contornos de insurgência, de revolta, marcando dessa forma o início dos atos de terrorismo.

        Quando em 25 de julho de 1966, o então candidato à Presidência da República, futuro ditador, Marechal Costa e Silva, em campanha política - estranho ditador fazendo campanha política -, após uma pane em sua aeronave que o obrigou a viajar de carro de João Pessoa para Recife, frustrando, quem sabe, toda uma plateia que o esperava silente, momento em que o estrondo de uma bomba no saguão do Aeroporto Internacional de Guararapes em Recife-PE, vitimou mortalmente o jornalista Edson Regis de Carvalho e o Almirante Reformado Nelson Passos Fernandes.

         Os dias que “eram assim” ganharam notoriedade ceifando vidas de militares, que inviolável no seu momento de existir na condição de “Sentinelas”, sofreu uma terrível baixa quando um carro-bomba lançado pela Vanguarda Popular Revolucionária (VPR) – uma das mais de 40 organizações revolucionárias, criminosas e clandestinas que atuavam à época -, em 26 de junho de 1968 explodiu em frente ao QG do II Exército no Ibirapuera em São Paulo, esfacelando e destroçando o corpo do Soldado do Exército MÁRIO KOZEL FILHO.

         A luta armada proliferava no país numa epidemia ideológica contrária ao regime dominante, os “Ditadores Militares”, que se revezavam no poder, causando certa estranheza às tiranias latinas americanas conhecidas à época, enfrentavam reações nos campos mais diversos, desde o econômico até os mais banais possíveis.

         Por fim, após 21 anos de profícuas desgraças proporcionadas ao povo brasileiro pelos “Ditadores Militares”, quando “os dias eram assim”, onde praticamente nada de positivo acontecera ao país na visão de muitos que vivenciaram aqueles dias e após 5 (cinco) ditadores; entregam o poder aos brasileiros de forma pacífica, sem derramamento de sangue, com um processo de anistia consolidado e com as esperanças renovadas no espírito de democracia e de desenvolvimento.

         O tempo, na condição de senhor absoluto de todas as coisas, transformou “os dias que eram assim” em “os dias que hoje são assim”, invariavelmente caracterizados: pela anarquia, pela baderna institucionalizada, pelo descompasso velado dos poderes constituídos, pela roubalheira, pelo valhacouto, pela horda, pela trupe incansável, pelos desvios de condutas assustadores de nossos políticos e do povo e, por tantos outros adjetivos e coletivos nefastos, funestos, que permeiam a política e o Poder Central, brasileiros.

         Os dias que: “eram assim” hoje “são assim”: promissores; repletos de líderes honrados e de reputação ilibados; de um exercício de liberdade de expressão incomensurável; de brasileiros e de brasileiras, infinitamente orgulhosos com o seu gentílico; de uma liberdade nunca antes vista no seu ir e vir; de um desenvolvimento científico, tecnológico e educacional proeminentes na vanguarda mundial.

           Os dias de hoje são povoados de: “delações”, palavra que certamente no vocabulário popular é conhecidamente como o “cagueta”, o “traíra”, o X-9; de “codinomes”, que salutarmente ninguém gostaria de tê-los, exceto, no submundo em que nossos políticos e governantes democratas não ditadores se envolveram e, de “bloqueios”, quais sejam: de estradas, de vias de acessos a aeroportos, de retidão de atitudes, de serenidade, de moralidade, de vergonha na cara, enfim, “bloqueios” dos mais diversos e inesperados possíveis.

         Por fim, “os dias que eram assim”, hoje são patrocinados por desejos e almejos “de dias que serão assim”: talvez espelhados nos “dias que eram assim”, aspirados e inspirados saudosamente em governos tiranos, ditadores, que eram trocados a cada cinco anos ou menos, numa ditadura que toda vez que mudara seu ditador, estranho! Os planos de governo voltados para o desenvolvimento do país eram rejuvenescidos, atualizados, numa verdadeira epopeia de manifestação egoísta de desejos arbitrários e monocráticos, de causar inveja a qualquer ditador.

         Rematando, pois, permeado de desejos toscos, inebriado pela aspiração de que “os dias que eram assim”, voltem numa versão moderna, onde possam sobreviver sem os “bloqueios” vivenciados nos dias de hoje, mormente os de ordem moral, que os nossos governantes “de hoje” se espelhem nos “dias que eram assim” e promovam os “desbloqueios” esperados pelo povo nos dias de hoje, mesmo que, rememorados naqueles “dias que eram assim”.

       (1) - Título da minissérie produzida pela Rede Globo em exibição no momento.
      Fonte de pesquisa histórica: Projeto ORVIL, acessado em http://www.averdadesufocada.com.