REFLEXÕES SOBRE A REFORMA TRABALHISTA

1. QUEM SÃO OS EMPREGADORES

A briga de direitos trabalhistas é tomada como uma brigas de grandes empresas versus trabalhadores, "burgueses versus proletários", será que é simplesmente assim? E se mais da metade (52%) dos empregos de carteira assinada no país fossem de micro e pequena empresas (que têm até 49 funcionários para comércio e 100 funcionários para a indústria)? Os dados estão aqui:

https://economia.uol.com.br/noticias/infomoney/2013/01/22/micro-e-pequenas-empresas-empregam-52-dos-profissionais-formais-do-pais.htm

São dados de 2013. Os 48% restantes se dividem entre empresas médias (entre 50 e 100 funcionários para comércio e entre 100 e 500 para a indústria) e grandes.

Não são só "megaempresários" que arcam com encargos trabalhistas fiscais e legais.

2. COBERTURA DA CLT

Qual a proporção de pessoas ocupadas que têm de fato carteira assinada no Brasil?

Eu fui pesquisar isso, porque eu mesmo estava falando baseado no achismo (alguém sinceramente me corrija se eu estiver errado) e foi isso que encontrei:

Usei dados de 2012, porque é um ano ainda longe da crise. Os dados são baseados na página 4 de "Evolução de

emprego de carteira assinada no Brasil", do IBGE, esse é o link:

https://www.ibge.gov.br/home/estatistica/indicadores/trabalhoerendimento/pme_nova/Evolucao_emprego_carteira_trabalho_assinada.pdf

Primeiro, dados sobre como é a ocupação das pessoas ocupadas no Brasil e em Salvador:

Carteira Assinada no setor privado (A)

- 49,2% (em SSA: 46,9%)

Sem carteira assinada no setor privado (B)

- 10,6% (em SSA 9,9%)

Conta própria (C)

- 17,8% (em SSA 19,7%)

Empregadores (D)

- 4,5% (em SSA: 3,6%)

Empregados domésticos (E)

- 6,6% (em SSA: 7,8%)

Militares e servidores estatutários (F)

- 7,8% (em SSA: 8,3%)

Carteira assinada no setor público (G)

- 1,9% (em SSA: 1,9%)

Sem carteira assinada no setor público (H)

- 0,2% (em SSA: 0,2%)

No setor privado, daquelas pessoas "passíveis" de carteira assinada, ou seja, A somado a B, qual o percentual daquele com carteira (A)?

49,2/(49,2+10,6)= 82,2% (17,8% de empregados sem carteira)

Esse é um resultado razoável, mas:

CONTA PRÓPRIA. Para o IBGE, "conta própria" é alguém que trabalha para si mas não tem empregados, o cara pode ser um profissional liberal prestador de serviços que ganha bem, pode vender geladinho em casa ou pode ser simplesmente a pessoa que, por não ter possibilidades de contratação por carteira assinada (por encargos para a empresa ou pessoa física), se posiciona como prestador de serviços, ainda que "de fato". Apesar do ganhos desiguais, para essa última pessoa, além de um ganho pequeno, não tem nenhum direito, ela está de fato irregular. Digamos que apenas metade desse pessoal esteja nessas situações ruins, 17,8/2=8,9%.

EMPREGADOR. Se uma pessoa tem uma banca de jogo do bicho e paga 50 reais por semana para a sobrinha ficar na banca pela manhã, ela é considerada empregadora. Se for um megaempresário, mesma coisa. Digamos então que metade desse pessoal esteja numa má situação - sem garantias trabalhista (se a banca parar de vender, a pessoa não tem nada de direitos) e com renda pequena, 4,5%/2=2,25%.

49,2/(49,2+10,6+8,9+2,25)= 69,34%

Ou seja, 30,66% (quase 1 a cada 3) dos trabalhadores são empregados sem qualquer direito ou trabalhadores que acumulam renda pequena e ausência de direitos trabalhistas (afinal eles não são empregados, teoricamente ou de fato, de

ninguém).

A CLT já tem 74 anos.

Disso, a meu ver, dá pra ter uma dimensão da repressão que os direitos trabalhistas impõe à regularização do trabalho no Brasil, porém não dá pra avaliar quantos trabalhos deixam de ser criados ou outros impactos econômicos.

3. "PERDA DE DIREITOS"

Sou contrário a esse governo (acho ilegítimo) e a seu modo de fazer as coisas. Porém, eu acho estranho o fato de as pessoas serem "completamente" contrárias a qualquer reforma da legislação, como se necessariamente (atualmente) ela fosse boa e adequada. Talvez não. Talvez não, porque a legislação tem vários pontos, que versam sobre diferentes coisas e foi escrita há 74 anos quando o Brasil era predominantemente rural (por volta de 64, perto do Golpe militar, é que passou a ter mais gente nas cidades). As mudanças são heterogêneas, há coisas boas, há coisas ruins, há coisas questionáveis, há coisas que são adequações, me parece simplistas discordar de toda e qualquer mudança.

Nem toda mudança significa "perda de direitos", por exemplo, hoje a CLT estabelece que o limite diário de horas é 8, com mais 2 horas extras, jornada semanal de 44 horas e mensal de 220. A reforma diz que, em acordos, é possível flexibilizar a jornada, desde respeite o teto de 12 horas diárias, 44h semanais e 220h mensais. Hoje é comum pessoas que trabalham 12 horas, descansam 36, ou que fazem na sexta as horas do sábado (8+4h=12h). Como está a lei hoje, esse trabalhador está ilegal e a empresa não pode contratar alguém dessa forma.

Hoje, se há um local onde não há transporte público e a empresa disponibiliza transporte para o trabalho, as horas gastas nesse trajeto contam como jornada de trabalho. A reforma revoga isso. Por que seria justo com a empresa que, além de fornecer o transporte, ela ainda seja obrigada a pagar as horas de deslocamento em qualquer caso e sem limite de tempo? Por mais que o trabalhador gaste tempo no transporte e isso seja injusto em qualquer situação, inclusive no transporte público urbano comum, o que o empregador tem de culpa?

Segundo a CLT atual, se um empregador mantém um trabalhador não registrado, ele paga multa de um salário mínimo regional por empregado não registrado. A reforma aumenta essa multa para 3 mil reais, porém 800 reais em casos de micro e pequenas empresas. Como é possível dizer categoricamente que essa mudança é uma perda de direitos?

Hoje a contribuição sindical é obrigatória (das empresas para os sindicatos patronais e dos empregados seus sindicatos). Com a reforma, ela passa a ser facultativa. No fim de 2016, o Brasil tinha 16.293 sindicatos, número 125 vezes maior que nos EUA. Optar por pagar ou não um imposto para entidades que não são nada eficazes na representação, no que isso diminui os direitos do trabalhador? Pode ter outros efeitos, como a diminuição do números de sindicatos a um número menos inflado e maior proximidade entre representante e representado (eu acho).

A reforma regula o "home office", que é quando o trabalhador usa sua própria casa como local de trabalho. Segundo li, há uma lei sobre isso de 2011, que dá a entender esse tipo de trabalhador como funcionário comum. Esse é um ponto de atualização que poderia ser discutido, revisado, transformado, porém o fato de essa mudança existir não configura necessariamente algo ruim.

"Será permitida a livre estipulação dos termos do contrato que prevaleçam sobre o legislado, nos mesmos moldes admitidos em relação à negociação coletiva, nos casos de empregados com diploma de nível superior e que recebam salário mensal igual ou superior a duas vezes o limite máximo dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social. Atualmente, o teto dos benefícios é de R$ 5.531,31." No que isso afeta negativamente esse trabalhador?

O trabalho intermitente, ou seja, trabalho sem regularidade pré-definida será regulamentado, sendo que o empregado deve ser avisado com 3 dias de antecedência sobre quando será o trabalho. Há atividades que são naturalmente assim, como contratação de pessoas para buffet. Esse trabalhador, antes dessa mudança, estava descoberto em relação a seus direitos trabalhistas. Quais são esses direitos? Assim que a pessoa trabalha, imediatamente recebe remuneração relatiiva às horas trabalhadas que não será menor que o proporcional ao salário mínimo, proporcional de férias, repouso, outros valores legais, tem FGTS recolhido. Com 12 meses a pessoa tem direito a férias. Ou seja, ele agora está regulamentado.

Em qualquer desses pontos cabe discussão. Há outras mudanças muito ruins. Trabalhadoras grávidas poderem trabalhar em ambiente considerado insalubre desde que haja um atestado médico dizendo que não há risco para o bebê nem para a mãe. Segundo li, há uma garantia sobre o direito das empresas determinarem a roupa do funcionário. Enfim, há vários pontos, sobre coisas muito diferentes. Minha questão não é dizer que a reforma é boa, mas que pensar em reformar uma legislação como a CLT, de 1944, não é necessariamente ruim em si. É simplista apenas se opor a toda e qualquer mudança ou acusar toda mudança de "perda".