A NAÇÃO ATORDOADA

Operação Lava a Jato. O caldeirão fervente é a Polícia Federal, a olhos nus em suas ações com estardalhaço e o recorrente estrépito jornalístico. Noutro, a demora do Judiciário em tornar verdadeira a aplicação do bem político Justiça, de natureza individuada, atendendo aos direitos subjetivos de cada indivíduo e à adequação quanto aos preceitos constitucionais. Os acusados movem-se como vermes aproveitando a matéria em decomposição. Os argumentos de defesa, as mais das vezes, são de fazer rir... Não me é nada fácil fazer crítica social e/ou política por meio de uma singela crônica ou de um miserável poema. Afinal, não estamos como o arcanjo Gabriel, nos portais do Absoluto. A figura divina, no coração do Povo, é invocada a todo o tempo em frente ao aparelho televisivo, nas igrejas, nos templos, em praça pública, todos intuem que isto é questão para os viventes terrenos. A fome e a injustiça social alargam fronteiras. O pobre é cada vez mais miserável e seus filhos clamam por educação e igualdade de tratamento. O crime troca os tênis de marca dos jovens aquinhoados por uma porção de crack, ali no centro urbano, nos guetos das grandes cidades, pra quem quiser olhar e ver. Os fatos ilícitos divulgados pela mídia são ridículos frente à inação do estado brasileiro por mais de trinta anos, alguns beiram ao inacreditável, porque crimes permanentes cometidos por figuras públicas, também a olhos nus. Tudo à socapa ou no emaranhado da impunidade institucional. Triste dilema para um escritor: adequar-se aos regramentos estéticos frente à sordidez da corrupção em uma nação atordoada. Porém, não quero cometer o pecado da omissão e calar. Prefiro errar por ação, mesmo que pareça inócua. Nem sei, afinal, se adiantará algo ou alguma coisa a favor do que se deseja como ação modificadora do atual estado de coisas; se terá algum efeito este tipo de abordagem verbal em que está presente o cacoete lírico do poeta. Contudo, ao menos, o meu agônico espiritual se aquieta um pouco, graças ao fenômeno da criação literária. O poema nasce imundo – um anjo negro das hostes de São Lázaro. Estamos frente à lápide da história. Quem viver verá...

– Do livro O PAVIO DA PALAVRA, 2017.

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