A utopia é um arquétipo que mora no inconsciente coletivo da humanidade desde os primeiros momentos de sua experiência civilizatória. Todas têm em comum uma base religiosa, mas no fundo, objetivam uma realização política e social. Algumas, como a República de Platão, a Utopia de Thomas Mórus, os sonhos de Voltaire em “Cândido” “A Cidade Mágica do Sol”, de Campannella, são apenas ilusões de filósofos, que jamais saíram do papel. Outras, como o sonho americano dos pioneiros que colonizaram a América do Norte, o delírio de Hitler com o seu nacional-socialismo, ou a quimera comunista, tão elogiada por poetas como Pablo Neruda e Maiakovski, tornaram-se realidade como realizações políticas, embora, como no caso da Alemanha e da Rússia, por exemplo, seus resultados tivessem sido bem diferentes daqueles que seus idealizadores sonharam.
O Brasil sempre foi visto como uma utopia. Na metade do século XIX, quando o país foi aberto á imigração, na Europa se dizia que o ouro jorrava nos nossos riachos como flores de quaresmeiras na serra. E todo mundo vinha para cá na esperança de fazer fortuna e viver feliz como um passarinho.
Foi essa visão que animou os constituintes que fizeram a Constituição de 1986. Ao invés de enxugar a Carta anterior e devolver ao povo brasileiro o direito usurpado pela ditadura militar ( o que poderia ter sido feito com meia dúzia de artigos), eles escreveram, em linguagem jurídica, um verdadeiro romance utópico que faria inveja á Platão e Thomas Mórus. Pois nem nos imaginários paraísos idealizados por aqueles filósofos se falou em garantir existência digna (e o que é isso?) para todos (artigo 170); juros anuais de 12% ao ano (artigo 192 §3º); saúde para todos (art. 196); ensino fundamental gratuito para todos, com transporte e alimentação gratuita (art.208); meio ambiente ecologicamente equilibrado (art.225); assistência social e aposentadoria para todos, independente de contribuição (art. 203); os direitos da criança e do adolescente de viver em um paraíso terrestre (art 227); garantia dos direitos do idoso e do portador de deficiências, previstos no artigo 230, etc. E por aí afora, como se estivesse descrevendo um verdadeiro paraíso tropical.
Como dizia William Shirer (Ascensão e Queda do III Reich) ao analisar a Constituição de Weimar, que a Alemanha promulgou logo após a derrota na primeira guerra mundial, nenhum povo seria mais livre e feliz do que o alemão, se aquela carta fosse possível. Mas, como ele diz, no plano ideológico as pessoas podem pensar o que quiserem, mas no plano do realizável, só se pode fazer o que é possível. Isso porque um Estado não se constrói juridicamente. Ao contrário, a ordem jurídica deve refletir as necessidades do Estado e não o visionarismo de um grupo de demagogos irresponsáveis que nele enxergam um Deus que tudo pode.
Na Alemanha dos anos vinte a implantação do estado social de Weimar trouxe a inflação,  a crise econômica, a corrupção da máquina estatal e a desordem social que proporcionou a ascensão de Hitler e a tragédia nazista. No Brasil dos dias atuais, (Roberto Campos já previra isso ao analisar a nossa atual Carta Magna), a crise atual pode ser vista como consequência natural de se querer ir mais longe do que as pernas agüentam.
Não se pode atribuir ao Estado mais do que ele pode garantir aos seus cidadãos. Até porque ele é uma mera abstração. O Estado não produz, não cria riqueza, não gera recursos. Quem faz tudo isso são os cidadãos que nele vivem. E ele só pode proporcionar ao seu povo aquilo que o próprio povo é capaz de produzir.

Prometer o que não se pode cumprir dá no que deu. A utopia prometida pela Constituição de 1986 faliu antes de realizar um terço do que foi prometido. Ao contrário, abriu caminho para a corrupção, a desordem e a convulsão social, pois uma coisa é não saber que a gente tem certos direitos, e outra coisa é saber que se têm direitos, mas que eles não valem nada porque não podem ser atendidos por falta de recursos. Principalmente porque uma grande parte deles está sendo drenado para o bolso de uma minoria que tomou de assalto o próprio Estado. Precisamos abrir os nossos olhos para a realidade. Todos sabemos no que dá o paternalismo irresponsável. Somos nós que temos que criar o Estado que queremos. E não o Estado que tem nos criar.