* A ESQUERDA COMO ADUBO
 
É cada vez mais comum observarmos pessoas menos abastadas, de origem humilde, sentirem um inexplicável orgulho de encher a boca para se assumirem como adeptos da “direita”. Confessam, sem pudor, uma atração quase erótica pelo pior da direita brasileira. Como entender que pobres e até a própria classe média baixa encontrem identificação com as forças mais reacionárias do país? É óbvio que estão equivocados quando apoiam aqueles que os empurram para o abismo, mas é um reducionismo estúpido rotular o “pobre de direita” como burro.
 
A trágica realidade será melhor aceita se começarmos a compreender o afastamento que a tal esquerda progressista tomou de suas bases sociais. Não é difícil constatar que a postura antipática, somada ao discurso político sectário e arrogante da nova esquerda, colaboram para criar fenômenos como o Bolsonaro. As contradições, a desunião e o esnobismo intelectual dos esquerdistas servem mais como adubo ao fascismo do que ao aprofundamento de relações com as classes que deveriam representar. No mundo atual, a incompreensão com o pensamento popular se tornou um braço publicitário da extrema direita. A esquerda passou a se dedicar a cultivar raiva, não mais a criar laços. Assim, no que se diferencia da direita radical? Um Lula sozinho não faz verão. É a falência na comunicação com aqueles que deveriam ser seu público alvo.
 
O pobre não é burro. Sofre com a falta adequada de acesso à informação, é manipulado pela mídia que serve à elite, não tem tempo nem estômago devidamente saciado para refletir no Facebook. Mentes que não pensam e não são levadas a pensar preferem aderir ao mito da vez, ao nome da moda, ao que se difere daqueles em que ele não encontra mais eco ou cujos nomes exalam desconfiança. Escolhem admirar os preconceituosos, os misóginos, os racistas. Por quê? Porque parece corajoso nadar contra a corrente, porque soa supostamente autêntico ser um pária. Para um cidadão marginalizado, o marginal é um mito.
 
E o que o movimento de esquerda fazem sobre isso? Exilam o pobre que não mais o aceita. O chama de ignorante. Faz piada de mal gosto com corridas de táxi e exalta uma corporação estrangeira ligada ao Trump. Não enxerga o lixeiro que varre a sua porta. Passa longe das favelas porque sente medo e repulsa do que habita dentro dela. Rompe relações por qualquer mínima manifestação fora da curva programada. Denuncia um golpe sem se dar conta do tom autoritário com que trata a política.
 
A direita permanece coerente e avança, é possível criticá-los, mas não é viável acusá-los de terem nos enganado. Eles são o que são e nunca se esconderam. Porém, o que é uma esquerda que perdeu a conexão com os pobres, com as comunidades, com os operários, com os taxistas, com os ideais e com as ideias? Isso é grave.
 
Quando vemos um PSOL, no Rio de Janeiro, que encontra mais retorno na classe média alta da Zona Sul do que nos confins de Campo Grande, algo está fora do lugar. O pobre decide se declarar de direita pelo sentimento ilusório de se sentir incluído num mundo em que a esquerda não mais consegue, sequer, fazê-lo sonhar pertencer.

 
Alexandre Coslei
Enviado por Alexandre Coslei em 09/04/2017
Reeditado em 09/04/2017
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