Previdência: questão de Economia Política

Você acha que a reforma da Previdência é uma questão técnica, tão somente, onde há um certo e um errado? Se disse sim, está equivocado: existem  distintos “certos”. Economia não é matemática. Aliás, quando surgiu, antes de ser chamada de Ciência Econômica, era um ramo da Filosofia chamado de Economia Política. E, assim, a reforma, em verdade, é tanto uma questão econômica quanto política.

Em primeiro lugar, para entender isso, você tem de ver o contexto em que a reforma é proposta; em segundo, saber quem você é nesse contexto. Quanto ao contexto, resumindo, ele é óbvio: acontece no vácuo do impeachment do ano passado, em que propostas liberais como a “PEC do Congelamento” e a Terceirização são aprovadas e outras, como as reformas trabalhista e previdenciária, de mesmo cunho, tramitam. E todas elas coerentes com um modelo de ajuste fiscal que incide sobre os direitos e ganhos dos assalariados.

Como escreveu o sociólogo alemão Jürgen Habermas, as sociedades do capitalismo tardio vivem crises econômicas periódicas e, basicamente, a conta da crise é colocada no bolso de quem vive de salário, o que leva os governos a perderem legitimidade junto à população. Isso não descreve o momento brasileiro e a situação do governo Temer? E, aqui, poderíamos lembrar também o economista americano Thomas Sowell: “A primeira lição da economia é a escassez: nunca há algo em quantidade suficiente para satisfazer os que o querem. A primeira lição da política é ignorar a primeira lição da economia”. E, como nosso país tem uma alta concentração de renda, na crise, quem são as vítimas da escassez? E isso se dá por certezas econômicas ou escolhas políticas de quem está no governo, determinando quem vai perder para que outros não deixem de ganhar ou permaneçam como estão?

É por isso que existem vários técnicos e especialistas que tem posições antagônicas sobre a reforma da Previdência. Deficitária ou superavitária é uma celeuma ilustrativa. Em resumo: a grande mídia majoritariamente defende que é deficitária, junto com as entidades representativas dos grandes empresários, baseando-se principalmente na disparidade “contribuintes da ativa / beneficiários aposentados”; alguns economistas independentes ou acadêmicos, apoiados pelas centrais sindicais de trabalhadores, realizam estudos provando o contrário, destacando as verbas oriundas de impostos destinados à Previdência abocanhadas pela famigerada Desvinculação das Receitas da União (DRU). E ambos estão tecnicamente corretos, embora defendam diagnósticos diferentes a fim de embasar escolhas políticas específicas ao interesse dos grupos ou classes que representam.

Ou você já parou para se perguntar por que, em vez de iniciar a saída da crise por uma reforma tributária, tirando de quem tem mais para dar para quem tem menos, começa-se por medidas de ajuste fiscal que atingem os assalariados públicos e privados? Vocês acham que os grandes empresários concordariam com isso? Elementar.

Agora tu sabes o contexto. E tu sabes quem és nesse contexto? Por que só saberás o lado bom para ti quando souberes quem realmente és. Vais ser atingido pela reforma? Vives de salário ou és empresário? Se empresário, és grande, médio, pequeno ou micro? Tens renda e patrimônio suficientes para que não te preocupes com o proposto pela reforma ou dependerá de sua aposentadoria na velhice? Bom, agora creio que você já está entendendo por que eu escrevi no título que é uma questão de Economia Política.


Texto publicado na secão de Opinião do Portal do Aposentado, caderno incluso no jornal Portal de Notícias, edições online e impressa.