CARDÁPIO PRONTO

“O capitalismo neoliberal deixou em sua esteira uma multidão de sujeitos destruídos, muitos dos quais estão profundamente convencidos de que seu futuro imediato será uma exposição contínua à violência e à ameaça existencial. Eles anseiam genuinamente um retorno a certo sentimento de certeza – o sagrado, a hierarquia, a religião e a tradição.” – Achille Mbembe, historiador, pensador pós-colonial e cientista político

O governo golpista de Michel Temer caminha, com as forças que o apoiam, para um ajuste liberal clássico. De um lado com reformas draconianas, como a PEC do Teto de Gastos – já aprovada – e a da Previdência, a caminho; de outro num endurecimento contra estados da federação (RJ, MG, RS, p. ex.).

Nenhuma novidade no cardápio já clássico: brada-se o diagnóstico da trajetória “explosiva” da dívida pública que provocará um “deficit” monstruoso, inadministrável e descontrole das despesas, para cujo tratamento é necessário o corte drástico de gastos.

A receita, para se tornar palatável, deve contar com a maciça participação dos sócios, sejam da grande imprensa, dos setores empresariais envolvidos, da base parlamentar e até mesmo do judiciário. Todos os setores ideologicamente identificados com esse conservadorismo criam um rolo compressor muitas vezes combinado com dramalhões do tipo “ou se faz assim ou quebramos o país”, etc. para o convencimento das vítimas de sempre (cabe um parêntese aqui: a eleição de João Doria Jr. para prefeito em São Paulo traz mais combustível para este “time”, pois suas ações patéticas de marketing reforçam o slogan “não fale em crise, trabalhe” - e se a emenda da Reforma da Previdência for aprovada, trabalhar deixará de ser uma metáfora!).

No tocante à grande imprensa, controlada por grandes grupos econômicos, vemos editoriais e matérias reforçando, apesar da profunda recessão, que a economia já começa a dar sinais de “aquecimento”, que a inflação está domada e caminhando para o centro da meta estabelecida (o BC reduzindo a Selic cumpre seu papel de “estimular o crédito”) e, assim que as “reformas” forem aprovadas, o cenário estará favorável para a retomada – talvez aqui estejamos diante do que Varoufakis chama de o “paradoxo da profecia”. Será que teremos a retomada? As crises pronunciadas de RJ, MG e RS, assim como as “ignoradas” de outros estados, agravadas por levantes das polícias militares estão dando sinais de alerta. O funcionalismo estadual suportará a conta desses ajustes? Gostaria apenas de acrescentar que a conta não fechará e então a eminência parda, Armínio Fraga, em algum instante anunciará pela boca do ventríloquo Meirelles a necessidade de um aumento de impostos. Ressuscitar a CPMF será uma boa aposta!

À base parlamentar cabe a aprovação do que é proposto em troca do costumeiro balcão de negócios que jamais foi desmontado, mas que agora pode ser travestido de “desprendimento republicano” - a desfaçatez não costuma ter limites.

Para encerrar, mesmo não sendo um expert em “profecias”, arrisco dizer que, no tocante à Lava Jato, assistiremos o declínio do protagonismo midiático do juiz Sergio Moro e a entrada em cena com mais peso do STF. Não à toa vimos Gilmar Mendes vaticinar que em algum instante será necessário discutir as longas prisões de Curitiba. E agora Celso de Melo confirmou Moreira Franco no cargo de ministro para que mantenha foro privilegiado. Creio que em algum instante mais à frente veremos Eduardo Cunha ser solto para que responda às acusações em liberdade. E talvez mais alguns outros também sejam. Será o tal de “estancar a sangria” vaticinado em grampos já divulgados dos insuspeitos Sérgio Machado, Renan Calheiros e José Sarney.

“Volte para 1930. Agora você tem a resposta! Sempre que uma crise financeira leva à fragmentação dos circuitos monetários do capitalismo e, em seguida, o establishment força os custos econômicos sobre os cidadãos mais fracos, duas coisas acontecem: a xenofobia e o aumento do autoritarismo. Isso se traduz em quase-fascismo, patriarcado e, em última instância, na celebração da misantropia. – Yanis Varoufakis

Cleo Ferreira
Enviado por Cleo Ferreira em 15/02/2017
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