A comparação inevitável

A COMPARAÇÃO INEVITÁVEL

Miguel Carqueija

Em 1985, ainda pelo voto indireto, o governo militar deu lugar ao regime democrático, sendo o primeiro presidente civil desta nova fase José Sarney, quase por acaso, tendo em vista a morte do presidente eleito Tancredo Neves. Foi um caso raro de ditadura resignatária, pois o último presidente militar, João Figueiredo, tecnicamente um ditador, não tinha vocação para tal e promoveu a chamada abertura.

Naquela época falava-se em Nova República. Você já parou para pensar, ou sequer reparou, que esta expressão deixou completamente de ser usada? Por que será? Por que o povo se decepcionou com seus governantes civis?

A ditadura, com seus erros e arbitrariedades mesmo revoltantes em muitos casos, apesar de tudo criou infra-estruturas (no setor energético por exemplo) que os governos civis, pela anarquia em que mergulharam, não souberam dar prosseguiomento. Além disso, a meu ver, o regime militar destruiu a classe política, de tal maneira que na redemocratização já quase não existiam bons políticos, e a corrupção avançou monstruosamente; o resultado está agora, à vista da nação.

Fato insólito é que, em apenas um quarto de século, registraram-se dois impedimentos de presidentes. Em 1992, Fernando Collor de Mello; em 2016, Dilma Rousseff.

Ao comparar os dois episódios descobri com certa surpresa (se bem que a essa altura do campeonato eu já devia me surpreender com coisa alguma nesse país) que os petistas não admitem comparação possível, achando isso um absurdo. Pelo menos, essa a impressão que eu tive diante de certas reações.

Mas, por que não se podem comparar os dois eventos? Sei que não existem dois fatos iguais mas existem fatos semelhantes, e comparações entre eles são normais.

Insistem os petistas quer no impedimento de Dilma houve golpe. Não importa para eles que o processo constitucional tenha sido seguido: pedido formalizado no Congresso, votação na Câmara e no Senado, direito á defesa, monitoração do Supremo. A própria Dilma, ao se defender no Senado, reconheceu que o rito estava sendo seguido; todavia se o resultado fosse seu afastamento estaria caracterizado o “golpe”... assim a ré julgou o tribunal antes da sentença...

E no caso de Collor? Uma pergunta possível é: naquele tempo o PT era um partido de golpistas? Não só eles apoiaram ferozmente o afastamento de Collor como posteriormente petistas protocolaram pedidos de impedimento de Itamar franco (até do Itamar!) e Fernando Henrique Cardoso.

Eu conheço gente que diz que no caso do Collor houve golpe, por causa das segundas intenções existentes. Esse tipo de opinião, mesmo de gente que ache a mesma coisa do afastamento de Dilma, na prática desautoriza o PT, ou seja, aponta contradição no agir desse partido, de seus membros: se for contra outro partido pode, mas contra o PT não pode.

E Collor até pode alegar que acabou sendo inocentado pelo STF. Eu, porém, entendo que tanto ele como Dilma mereceram ser afastados. Por causa de Collor (o bloqueio traiçoeiro das poupanças) até suicídio houve. E o desgoverno de Dilma lançou o país no caos econômico, social e institucional em que hoje ele se debate.

Por que não comparar um caso com o outro? Ou houve golpe nos dois, ou não houve em nenhum. E eu opto pela segunda opção. Não importa que muita gente ruim tenha votado a favor dos impédimentos, independente disso ambos mereceram ser impedidos.

Rio de Janeiro, 11 de fevereiro de 2017.