Mulheres na Câmara de Vereadores de Águas Belas: Teimosia e Persistência Sinopse historiográfica

A Câmara Municipal de Vereadores de Águas Belas fez cento e quarenta e cinco anos recentemente.

Desde o seu Primeiro presidente, Manuel Carneiro Cavalcanti de Albuquerque Lacerda - major Lacerda - empossado aos 15 dias de junho de 1872, data da instalação do novo município das Águas Belas, nas primeiras legislaturas a participação feminina se verificou ausente, fruto das postura de uma sociedade densamente paternalista e patriarcal.

O Brasil vivia sob o signo do Segundo Império e comandava o País D. Pedro II a partir de um governo longevo e que já dava sinais de derrocada, fruto das inúmeras insurreições e revoltas sertões a dentro.

Neste período a mulher se limitava à atmosfera doméstico e sua participação na vida social se dava a partir das vontades de algum homem da família, fosse o pai, o irmão mais velho, o marido ou ainda o sogro. Seu lugar era a cozinha e o esmerado cuidado com sua prole e fazer as vontades do esposo sem maiores questionamentos, tudo sempre sob as bênçãos da religião que pregava subserviência e respeito ao marido.

A mulher era apresentada como ser inferior –ainda se verifica tal comportamento na sociedade hodierna – e que não possuía capacidade de sobrevivência sem que tivesse uma guarida mais forte para sua proteção e amparo, o homem.

Já na civilização romana prevaleceu a ideia de uma suposta “inferioridade natural” das mulheres, no dizer de José Rivair Macedo. E a mulher não podia exercer cargo público e nem mesmo abrir a boca para falar nos lugares de culto, segundo, ainda, o mesmo doutor em história supracitado (p. 14).

No Brasil as mulheres tiveram que travar muitas lutas para verem seus direitos conquistados e respeitados. Foram muitas as movimentações no sentido de que a mulher também exercesse o seu direito de ser cidadã.

Ao final da década de 1920 trava-se uma infatigável batalha para o exercício do voto promovida por diversos grupos feministas espalhados por todo o território nacional. Destaque-se a participação de Bertha Lutz que liderou movimentos nas décadas de 1920 e 1930 pela participação da mulher na política e sua emancipação. O País vivia ainda sob o governo de Washington Luís, presidente deposto em 1930 e quando assumiu o governo federal o gaúcho Getúlio Vargas.

Outras mulheres também vão se destacar nessas fileiras de combate à proibição do voto feminino. E essa luta se enceta no Estado do Rio Grande do Norte e culmina com o primeiro voto em 1928 dado pela professora Celina Guimarães Vianna na cidade de Mossoró, tornando-se, assim, a primeira eleitora do Brasil. No ano seguinte temos a primeira prefeita eleita pelo Partido Republicano, Alzira Soriano, com 60% dos votos e que terá seu mandato cassado pelo Governo Vargas. Com a redemocratização em 1945 elege-se vereadora posteriormente pela União Democrática Nacional - UDN - na cidade onde nasceu chegando a ser presidente da Câmara Municipal local.

Outras mulheres foram figuras de grande vulto na conquista do voto feminino: Antonietta de Barros, Almerinda Gama, Maria Luisa Bittencourt, Maria Lacerda de Moura, baluarte do feminismo, a negra Rosa Egipcíaca, ex-escrava e ex-postituta, e escritora contestadora da ordem escravocrata, trazida para o Brasil aos seis anos de idade, conforme atesta a obra organizada por Ciro Flamarion Cardoso e Ronaldo Vainfas (p. 284); Nísia Floresta, educadora, feminista, poetisa e também escritora que inspirou a luta no sentido da conquista dos direitos das mulheres e no combate às injustiças do homens a estas perpetradas.

O Cenário local

Desde a emancipação de Águas Belas em 1871 o novo município sempre teve no seu comando homens que, na maioria dos casos, ostentavam o pomposo título de coronel. Este título era comprado, via de regra, por quem fosse possuidor de vastas extensões de terra, grandes comerciantes e criadores de gado que povoaram todo o sertão desde os tempos mais remotos.

Tal título - dentre outros - era negociado pela Guarda Nacional criada no período do regente Feijó – padre Diogo Antonio Feijó – regente do Império nos idos de 1835.

O primeiro prefeito de Águas Belas foi um coronel da Guarda Nacional, Salustiano Cavalcanti de Albuquerque Araçá, conforme atesta livro de Atas do antigo Conselho Municipal de Águas Belas, depois câmara municipal, no ano de 1892.

Igualmente o Major Lacerda, já referenciado, comanda a Câmara Municipal sem que nenhuma presença feminina se pudesse constatar. Eram sete os vereadores (à época denominados de conselheiros) com mandato de três anos. Esta Primeira legislatura demorou-se no poder apenas por um pouco mais de seis meses e poucos dias, conforme descreve o Livro de Actas da Câmara de Vereadores do período da emancipação de Águas Belas, em suas primeiras páginas, e hoje sob a custódia do Arquivo Público Municipal de Águas Belas.

O sociólogo Gilberto Freyre discorre sobre o patriarcalismo no seu livro Casa Grande e Senzala. Este costume foi muito disseminado em terras águas-belenses, verificando-se hodiernamente ainda resquícios dessa prática.

Mas, inspiradas nos ventos libertários que sempre sopraram também por esta terra, as mulheres ousaram fazer diferente, mesmo no sentido político, participando ativamente das disputas partidárias em meio às contendas políticas num cenário extremamente hostil e dominado – ainda hoje – majoritariamente a partir do patriarcalismo misturado a ideais de senhorio e subserviência da condição feminina.

Inexistem registros da participação feminina nos primeiros momentos da condução dos destinos da municipalidade águas-belense. Se documentos há ainda não foram objeto de estudo e avaliação por parte da historiografia.

Também não se acha nenhum traço da presença da mulher na Câmara Municipal de Vereadores no período compreendido entre 1892 até meados da década de 1960, quando teremos a primeira mulher eleita vereadora.

Nos anos subsequentes algumas mulheres começam efetivamente a sua participação nos processos de disputas político-partidárias locais, umas pela Aliança Renovadora Nacional – ARENA – outras poucas pela Movimento Democrático Brasileiro – MDB – quando o Brasil vivia sob o famigerado sistema do bipartidarismo que, além de perverso só favorecia ao regime militar em detrimento de candidatos da Oposição.

Movidos pela redemocratização do País a partir do movimento das Diretas-Já nos ocaso do governo do general Figueiredo, os cenários e estratégias políticas ganharam novas feições abrindo-se mais para a participação da mulher, que não recebeu isto ‘de graça’, mas, a partir de lutas anteriores empreendidas na busca da igualdade de direitos.

De olho no cenário nacional as mulheres águas-belenses não ficaram inertes ante as novas conquistas e buscaram ampliar seus espaços a partir da participação nos processos eletivos, lançando-se à seara da participação mais igual da mulher na Câmara de Vereadores local, formulando as políticas públicas para a municipalidade, especificamente, aquilo que concernia às mulheres, historicamente ignoradas em todo o processo conforme dito antes.

Surgem, então, as primeiras candidatas que se lançarão na disputa na conquista de uma cadeira na edilidade local.

Vereadoras eleitas para a Câmara Municipal de Águas Belas – períodos diversos.

01.IRACEMA DE ARAÚJO DE ALBUQUERQUE - PSD - 1963 - Prefeito: Edelzito Branco de Melo;

02 .NILZA DE OLIVEIRA LIMA CIRÍACO - PDT - 1988 - Prefeito: Hildebrando de A. Lima;

03.HILMA TAVARES DE ALMEIDA - PPB - 1996 - Prefeito: Clodoaldo Bezerra Jônatas;

04.MARIA ROSA DA SOLEDADE GAMA - PP - 2004 - Prefeito: Nomeriano Ferreira Martins;

05.VERALÚCIA TAVARES DE VASCONCELOS MARINHO - PT - 2009 - Prefeito: Genivaldo Menezes Delgado;

06.ENIALE BEZERRA JÔNATAS TENÓRIO FERRO - PR - 2016 - Prefeito: Luiz Aroldo Rezende de Lima;

07.JOSEFA CRISTIANE CARNEIRO SANTOS SILVA -PT - 2016 - Prefeito: Luiz Aroldo Rezende de Lima.

Apesar das dificuldades existentes ainda no processo de formação de lideranças femininas é importante salientar que a luta não se esgota a cada final de pleito, principalmente para quem não logra êxito nas urnas, uma vez que a participação dessas mulheres conservar-se, frente a inúmeras demandas da comunidade e até mesmo num prenúncio de nova participação futura em novos pleitos eleitorais.

O contributo dado pelas mulheres supra referidas, umas conhecidas, outras anônimas, é de suma importância na disputa democrática, para que não somente se garanta o direito da participação feminina no processo eleitoral com isonomia, como é fundamental que se alarguem os seus direitos no intuito que sejam partícipes de fato e não apenas cauda eleitoral para modernos chefetes ou rajás de plantão nas pequenas cidades do interior do Brasil.

Aos oito de janeiro de 2015 a ex-presidente Dilma Rousseff sancionou a Lei 13.083/15 que institui, em dois artigos, a comemoração pelo Dia da Conquista do Voto Feminino no Brasil. Tal conquista se deu no ano de 1932.

E nas terras águas-belenses, dos primeiros quilombolas, dos índios fulni-ô, de antigos e novos coronéis reacionários, velhos patriarcas ciosos pela sua tradição e donos da vida de todo mundo as mulheres vão lutando e dilatando seus espaços, obstinadamente conquistados, garantidos seus direitos e ampliando novas conquistas, tudo isto com muita teimosia e persistência.

Bibliografia:

Livro de Atas da Câmara Municipal de Águas Belas, 1892.

Cardoso, Ciro Flamarion e Vainfas, Ronaldo. Domínios da História. Ensaios de Teoria e Metodologia. Rio de Janeiro: Ed. Campus, 5ª ed. 1997.

MACEDO, José Rivair. A Mulher na Idade Média. 5ª ed. São Paulo. Contexto, 2002.

*É pós-graduado em História pela Universidade de Pernambuco – UPE – e atualmente coordena o Arquivo Público Municipal de Águas Belas.

José Luciano
Enviado por José Luciano em 05/02/2017
Reeditado em 17/09/2020
Código do texto: T5903663
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2017. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.