A posse do discurso
“O poder está de volta ao povo”, disse ontem o presidente dos EUA em seu discurso de posse. Nada é tão improvável quanto esse tipo de sentença, sobretudo quando proferida nessas ocasiões específicas. O poder nunca estará com o povo, nem no tipo de democracia representativa comumente praticada no Ocidente nem com a do tipo de que desfrutam os países do Leste Europeu.
No caso do Ocidente, mais próximo de nós e onde os EUA são o poder hegemônico, os políticos são eleitos e assumem quase que diretamente o poder, ficando muitas vezes o presidente ou o Primeiro Ministro em suas mãos. O Poder Legislativo pode ter características diferentes em outros países, mas no caso brasileiro, por exemplo, trata-se de um poder de que, de uma forma ou de outra, o Executivo sempre acaba dependendo. Isso tem grandes chances de acontecer no mundo todo. Ainda não foi criado o poder popular.
O povo só atua mesmo na hora em que vota. Depois fica, em geral, à margem das decisões sobre as quais na maioria das vezes não é consultado. Se assim não fosse, não haveria manifestações populares contrárias ao que é estabelecido pelas autoridades constituídas, reprimidas, muitas vezes, com o uso da força.
Um governante, sobretudo no dia de sua posse, deve ou pode proferir palavras impactantes e que possam corresponder ao perfil delineado durante a sua campanha eleitoral. Possibilitando a impressão de que ele está mesmo disposto a cumprir o que prometeu ou disse que iria fazer. Uma coisa é construir o muro separando a sua nação do México e ainda se achar na condição ou direito de cobrar a construção do muro, ou parte dela, dos mexicanos. Outra bem diferente é dar o poder ao povo de decidir a respeito da necessidade real de tal obra. Uma coisa é terminar parcial ou totalmente com o Obamacare, ao que parece, ou ainda assim, sem que seja ouvida a população quanto à essa providência. Outra bem diferente será o envio de milhares de soldados americanos para novas aventuras militares no exterior das quais muitos não voltam, deixando suas famílias enlutadas ou deprimidas.
Trata-se de uma característica não incomum no meio político em todo o mundo: a de dizer aquilo que muitas vezes se sabe que não poderá ser cumprido.
Rio, 22/01/2017