O fenômeno Temer
Desde que assumiu o governo após o afastamento definitivo da ex-presidente Dilma Rousseff, o presidente Michel Temer tem convivido com uma impopularidade crescente, por conta das propostas econômicas duras e antipopulares que foi obrigado a por em prática, como a PEC do teto dos gastos públicos e a reforma da previdência, diante do desastre econômico a que o governo do PT trouxe o país nos seus treze anos no poder. Tal ojeriza a ele deve-se talvez a certa mídia que adora divulgar e amplificar as noticias que desabonam o governo de plantão, e às gritarias dos grupelhos de órfãos do antigo regime populista, que perderam os privilégios que detinham sob seu manto protetor. Destes grupelhos fazem parte certos artistas e intelectuais famosos, bem como alguns economistas da mídia, estes com opiniões claramente pessoais e enviesadas, buscando desclassificar quaisquer das medidas econômicas saneadoras que o governo Temer tem buscado implantar.
O fato que muitos não conseguem enxergar é que Temer está tendo a coragem de propor e tomar medidas econômicas que presidentes populares como Lula e Fernando Henrique Cardoso (que jocosamente chamou o programa "Ponte Para o Futuro" de Temer de "Pinguela Para o Futuro") jamais ousariam implementar, mesmo com toda a alta popularidade de que desfrutavam.
Para tal vale-se da sua vasta experiência como parlamentar, da qual advém a sua capacidade de diálogo com seus antigos pares do Congresso Nacional, da qual, por sua vez, depende para aprovar as medidas difíceis que a crise atual demanda. Por outro lado, chamou economistas de peso para auxiliá-lo, que, como resultado imediato, têm conseguido por de pé as depauperadas estatais saqueadas por políticos inescrupulosos durante o leniente governo anterior, além de baixar o preço do dólar em 20% e a inflação de 10,67% em 2015 para 6,5% em 2016, projetando a expectativa de baixá-la para a meta de 4,5% em 2017.
Com seu jeito calmo, humilde, conciliador, mas firme, delegando poderes, Temer passa uma imagem bem diferente da da sua centralizadora antecessora, que se caracterizava pelos rompantes histéricos contra seus aterrorizados subordinados, quando confrontada com as consequências dos erros primários de política econômica que ela própria cometia contra o país.
É nesse sentido que o cientista político Rubens Figueiredo, no artigo abaixo da Folha de São Paulo, de 27/12/2016, chama Temer de "fenômeno".
É claro que Temer tem o telhado de vidro e tudo que está conseguindo ainda pode naufragar, por conta das investigações da Operação Lava Jato e do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) sobre a campanha Dilma-Temer, que podem envolver integrantes do governo Temer e o próprio Temer.
Supondo-se que isso ocorra, é inegável que, por tudo que tem conseguido até agora, Temer ainda assim será lembrado como um presidente impopular que, em pouco tempo, conseguiu estabelecer uma forte inflexão no "modus operandi" populista que estava levando o país para o caos.
Por isso, a torcida dos que pensam antes de tudo no Brasil é para que Temer consiga completar seu mandato.
Veja abaixo o artigo de Rubens Figueiredo:
RUBENS FIGUEIREDO
O fenômeno Temer
Folha de São Paulo
27/12/2016 02h00
O título desse artigo parece encerrar uma contradição nos próprios termos. Não há nada tão, digamos, "não fenomenal" quanto o presidente Michel Temer. Não tem densidade eleitoral, não tem carisma, não empolga as massas, não lidera uma corrente política com grande apelo entre os mais pobres, não é artista ou cantor.
O contexto também lhe é hostil. Temer foi vice-presidente de um governo de péssima qualidade, assumiu a Presidência num momento de gravíssima crise econômica, seus principais parceiros de poder frequentam com assiduidade o noticiário sobre a Operação Lava Jato, presidiu durante anos um partido parceiro da catastrófica política econômica do PT -e por aí vai.
Os primeiros movimentos de seu mandato interino igualmente não foram muito animadores. O PT vociferou aos quatro ventos a tese do golpe, artistas engajados faziam seus protestos, hordas de manifestantes profissionais atravancavam as avenidas das grandes cidades. Temer fechou o Ministério da Cultura e foi obrigado a reativá-lo. A coisa não foi fácil.
Se o presidente tem muito pouca atratividade no que expõe para a sociedade, é especialíssimo naquilo que traduz para a classe política. "Viver é afinar o instrumento/ de dentro pra fora / de fora para dentro", dizem os versos de uma música. Temer se inscreve na segunda frase do verso. Ele passa, por enquanto, mais segurança para aqueles que governam do que para os que são governados.
Ao que consta, é o único presidente que transita ou transitou pelas três esferas do poder. Temer é completo: respeitado constitucionalista por formação, tem experiência executiva em área nevrálgica (segurança pública) e conhece como poucos os meandros do Congresso.
É simplesmente admirável que Temer, com toda sua limitação para ser um pop star da política e frente a tantas dificuldades, tenha conseguido, até agora, um desempenho espetacular.
Nem mesmo Lula, à época tido internacionalmente como "o cara", chegou a ter a base parlamentar que Temer granjeou. A discrição venceu a idolatria, o mérito superou a fanfarronice.
Em pouco meses, o Congresso, estimulado pelo governo Temer, modificou a Lei do Petróleo, aprovou a Desvinculação das Receitas da União (DRU) e criou a nova Lei de Governança das Estatais -que, pela nossa longuíssima e arraigada tradição de nepotismo e patrimonialismo, representa um avanço que chega a ser revolucionário.
Os primeiros resultados da gestão aparecem, como a monumental recuperação do valor de algumas empresas estatais, Banco do Brasil e Petrobras entre elas.
Essa capacidade política de alguém que não foi ungido pelas urnas, mas catapultado pelas circunstâncias, não é algo comezinho.
Propor e aprovar a PEC do Teto, que vai contra tudo aquilo que existe de mais tacanho e arraigado na nossa classe política -a ideia de que aumentar indefinidamente os gastos públicos "faz parte do jogo"- não é coisa de um presidente comum. É tarefa para um fenômeno.
RUBENS FIGUEIREDO, cientista político, organizou o livro "Junho de 2013: a Sociedade Enfrenta o Estado"