Aborto, a decisão equivocada de um magistrado.
Aborto, a decisão equivocada de um magistrado.
Publicado no blog Diário do Poder, DF, em 5/12/2016
A decisão de um Ministro do Supremo Tribunal Federal, pelo qual tenho a maior admiração e respeito, num momento tumultuado da vida nacional onde valores éticos estão sendo esquecidos e o caos social se instala com rapidez, sem que se tenha uma orientação segura do rumo a ser seguido, uma decisão que afeta a concepção basilar da cultura da Civilização Ocidental, que é a sacralidade do mistério da vida, não pode se deixar passar, sem contestação, a sentença do nobre magistrado.
Ensina a ciência que com a fecundação, no instante em que o espermatozoide penetra o óvulo, num ambiente propício para o desenvolvimento da célula que acabou de ser formada, o útero feminino, nove meses depois nascerá uma pessoa, plena de dignidade, de potencialidades e direitos que precisam ser respeitados desde o momento inicial da sua concepção.
Isto não é uma imposição religiosa: é um fato jurídico – direitos do feto e a obrigação da sociedade de promovê-los e protege-los. Ficar discutindo se a pessoa só surge quando o feto manifestar consciência, ou quando tem seus sistemas vitais definidos, fixando-se este momento em três meses de gestação, além de ser ridícula pretensão científica é fugir da questão central com argumentos frágeis. Deixem o óvulo fecundado em paz, no ventre materno, e um ser humano pleno de dignidade nascerá no tempo devido.
Tudo o mais que se disser é argumentação errada para explicar a desinformação ou o egoísmo irresponsável da mulher grávida, tentando justificar um assassinato. É correto afirmar, como fez o ilustre magistrado, que as mulheres pobres, sem informações e acesso aos mecanismos protetores são mais vulneráveis a uma indesejada gravidez. Mas isso é outra questão a ser debatida e providenciada por politicas publicas adequadas.
É verdade que todos os homens e mulheres decidem sobre os seus corpos. No entanto, a mulher que engravida, por descuido ou desinformação, queira ou não passa a ser responsável pela vida e desenvolvimento do novo cidadão que carrega consigo – a mãe pode não desejar o seu filho, mas aquele ser tem o direito de existir, de viver, desde o momento da fecundação. É preciso sempre respeitar o outro, até um cidadão feto
As atuais autorizações legais para a realização de abortos não pretendo discutir. A questão que se coloca no momento é uma decisão do Supremo Tribunal Federal que abre as portas para o aborto sempre que desejado. Sem apelar para exageros de raciocínio demagógico, mas apenas seguindo a lógica do que está sendo imposto à sociedade brasileira, podemos prever para um futuro não muito longínquo o aborto de fetos que não atendam aos requisitos especificados pelos pais quanto a altura, peso, cor dos olhos e dos cabelos, QI, fatos que o extraordinário avanço da genética já permite com a realização de exames prévios. Os idosos, que sobrecarregam os sistemas de previdência social e os planos e saúde, bem como as famílias atribuladas pelos seus inúmeros afazeres, pelo mesmo princípio da “indesejabilidade” poderão ter suas mortes antecipadas pela “caridosa decisão e ação” de uma sociedade cada vez mais individualista e utilitarista. Ser contra o aborto é, como já foi dito com sabedoria, "dar voz aos cidadãos e cidadãs que ainda não tem voz...". O mistério da vida humana é sagrado.
Eurico Borba, 76, ex-professor da PUC RIO, ex-presidente do IBGE, escritor, Caxias do Sul.