A POLÍTICA ENFERMA

Por Gecílio Pereira de Souza

Recentemente um ministro da nossa suprema corte, face às inesgotáveis denúncias de corrupção envolvendo altos dignatários do maior partido do Brasil, o PMDB, afirmou que “a política morreu”. Não sei ao certo se o magistrado pretendeu capitanear o desencanto com a política e com a maioria absoluta dos gestores públicos, visceralmente diluído na tessitura social, ou se ele vaticionou o crepúsculo da política diminutiva cujo substrato são o fisiologismo e a conveniência. Em ambas as hipóteses, vislumbro controvérsias e pontos de tensão, consoante o momento de conturbação e incerteza que vivemos.

À luz do pensamento grego clássico, cuja arena do intenso e fecundo debate era a praça pública (ágora), o compartilhamento da vida na polis e o efetivo exercício da política se constituem em aspectos indissociáveis da condição humana. Um dos mais notáveis filósofos daquele período, Aristóteles conceituou o homem como animal político dotado da prédisposição ao convívio, uma natural inclinação à construção de laços sociais, sem os quais se desviaria para o embrutecimento e agiria sob o império dos impulsos. Através de umas das mais célebres e emblemáticas frases “O homem que não é capaz de viver em sociedade é um deus ou monstro”, o sábio de Estagira explicita a inter-relação entre o saber e o fazer, entre o pensar e o agir, entre a sabedoria teórica e a sabedoria prática.

A arte da convivência é tão desafiadora, que a política, como atividade ostensiva, resultante da habilidade de compartilhar a existência, aperfeiçoa o homem, enquanto a filosofia o eleva às proximidades dos deuses. Consequentemente, na condição de animal político por natureza, o homem é um ser das possibilidades, ou seja, sem a experiência do convívio (política) ele sucumbe-se à bestialidade, ao passo que a vida social equilibra e disciplina as paixões. O fim da política seria o início do barbarismo ou, numa versão hobbesiana, o retorno à selvageria que fundamenta a violência subjascente à condição humana. A tese aristotélica invalida, por antecipação, tal incongruência filosófica pois, segundo ele, a supressão da política não apenas encaminharia o homem ao embrutecimento e à violência, mas representaria o ocaso da humanidade.

A filosofia grega concebia o homem como sendo um ser dual, constituído de dois componentes (alma e corpo), mas não como um ser duplo caracterizado pela indefinição de caráter, ou seja, pelo antagonismo que interpõe um intransponível fosso entre o homem e o cidadão, entre a atividade privada e a atividade pública. O homem é, em última análise, uma espécie de átomo antropológico, indivisível ou insucetível de cisão, do ponto de vista substancial e essencial, porquanto a hipocrisia deforma o ser humano e adoece a política. Não há sucedâneo para a política

Platão tece contundente crítica à democracia, avaliando-a como um sistema político deformado e injusto, legitimado pela quantidade e não pela qualidade dos homens que a compõem. A seu ver, a massa social é movida por inumeráveis interesses fundados na ignorância e na incessante busca de satisfazer às almas de prata e de bronze, porquanto a uma segunda classe de bens. A filosofia política platônica projeta a existência de um Estado monárquico governado por sábios (filósofos), na acepção genuína do termo, posto que os sábios buscam exclusivamente a primeira classe de bens. Segundo ele, a sofocracia se constitui num sistema político sob o qual o Estado encarna a justiça e jamais condena o homem virtuoso, como fizeram com Sócrates.

Refletindo sobre o atual contexto brasileiro, retroajo-me 10 anos na história e não consigo identidicar um único cidadão que imaginasse o Brasil submergido neste oceano de incertezas e animosidades autoritárias que ameaçam atirá-lo no abismo em plena segunda década do século 21.

A partir de 2002 uma imensa nuvem escura e densa se deslocou da Europa rumo ao Brasil, com escala nos EUA, cuspindo raios e deixando um rastro de destruição por toda a América Latina. Descargas elétricas multifacetadas se consubstanciam em tragédias econômicas de espectro neoliberal arrebatador do mercado capitalista insano. Faíscas se replicam num fundamentalismo pentecostal que subordina a dignidade humana a códigos e preceitos anacrônicos e flagrantemente irracionais. Choques que se materializam no neo nazifascismo da direita e extrema direita que se alternam no terno, na farda e na toga, apostos em permante vigília à espreita da melhor ocasião para deflagarem o ataque. Aquela obscura nuvem se dsintegrou no ar do espaço brasileiro, cujos fragmentos pairam sobre a ruMOROsa 13ª Vara Federal de Curitiba, sobre os TEMERários e FIESPeiros tucanos em São Paulo, sobre a narco-aeciodite aguda em Belo Horizonte e, Em Brasília, sobre Suprema Tautologia Factóidica do MENDESculpado, sobre a Câmara aCUNHAda de marginais, sobre um Senado repleto de sepulcros CAIADOS e outros MAGNOs JUCÁs BUARQUE.

Colocarão em risco a corrida sucessória de 2018 e, caso não consigam estuprar novamente a constituição, aplicarão quaisquer meios para tornar o ex-presidente Luis Inácio Lula da Silva inelegível, impedindo-o de concorrer ao pleito daquele ano. Este guerreiro do povo brasileiro é, aos olhos da insandecida elite nacional, o homem desarmado mais perigoso da história do país, razão pela qual sobressalta diuturnamente o sono do senhor Sérgio Moro. Sem mandato e fora do governo, o líder petista sofre uma ostensiva e ferrenha oposição que exaspera as hostes partidárias do campo consevador, sendo açoitado sem pausa pela imprensa grande – aqui não há grande imprensa – e pelo segmento militante do judiciário. Essas duas frentes somam forças com o grande empresariado nacional, com os oligopólios das comunicações, com tendências religiosas das mais variadas matizes e, juntos, formam uma simbiose deletéria à liberdade real, às diferenças e às idiossincrasias individuais.

A tão propalada “operação Lava Jato”, gestada há pouco mais de dois anos, não passa de uma trama maquiavelicamente urdida e meticulosamente estudada com um único propósito: desabilitar o Partido dos Trabalhadores, desconstruir a reputação do maior líder popular da história do Brasil e arremessá-los à zona da clandestinidade. O desiderato do juiz Moro, que a rigor representa os ideais das forças mais anacrônicas da nação, é trancafiar o ex-presidente operário para, ato contínuo, brindar em confraternização apoteótica com aqueles que trocaram confetes pelo infenso pacto anti-democrático, na peçonhenta arena midiática. Nos últimos quatorze anos o ex-metalúrgico que se tornou presidente da repúblico vem sendo submetido à mais intensa e impiedosa investigação político-judiciária de que se tem notícia, cujos métodos ultrapassam as raias da legalidade e da tolerância de qualquer sociedade civilizada.

O expediente das escutas clandestinas, ou grampos ilegais, se constitui na extensão dos mecanismos de revogação tácita e factual da constituição e das leis, para retoricamente forjar a suposta juridicidade das investidas inconstitucionais, conquanto também imorais. Conduções coercitivas que, indubitavelmente, denotam factóides midiáticos de elevado apelo social, funcionam como combustível na fogueira da vaidade do senhor Sérgio Moro e dos seus contemporizadores. O instituto da “delação premiada”, que no jarguão jurídico se chama “cooperação legal” é, a meu juízo, uma diligente metodologia de institucionalização da malandragem, senão algo mais destestável. Graças a ela, os entumados corruptos adentram os tribunais que os tornam diabólicos réus mas, ao firmarem pacto de delação, acionam a metralhadora giratória expelente de degetos que, indiscriminadamente, nauseabundam tanto as más quanto as boas reputações. Atiram cizânia sobre a história dos maus e dos bons, condenados recebem penas brandas, quando as recebem, a despeito das insanáveis lesões perpetradas ao erário público. Muitos saem angelicalmente absolvidos e os por eles citados são, conforme a conveniência política e/ou jornalística, previamente selecionados e publicizados como culpados e, consequentemente, demonizados.

Todas essas “criatividades” jurídicas compõem um complexo esquema calculadamente articulado a partir da vitoriosa campanha de Lula em 2002. Este é o marco temporal da audaciosa e criativa inovação jurídica, bem como das surreais interpretações da constitução federal, feitas por notáveis personalidades do poder judiciário. Desde então, pretensos versados na operação do direito, malgrada pauperização intelectual de muitas universidades, se jactam à condição de juristas, escrevem sucessões de desparates e se imiscuem em estéreis emulações, na tentativa de defenderem o indefensável. Neste contexto, impuseram guela abaixo da nossa estrutura jurídica, o surpreendente e famigerado “princípio do domínio do fato”, com o claro e inequívoco propósito de apanhar o ex-ministro Josè Dirceu e as principais estrelas do PT, sob o pretexto de punir exemplamente os envolvidos naquele que se tornou a farinha na boca da elite, o controvertido “mensalão”.

Oiliceg
Enviado por Oiliceg em 01/12/2016
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