Quem tem medo do Donald Trump?
Nacib Hetti
Em 12.9.2008, eu publiquei no jornal "O Tempo" matéria sobre a eleição norte-americana de então, comentando a ingenuidade da esquerda brasileira com a possibilidade de eleição de Barack Obama, “como se ele representasse uma guinada na política externa dos Estados Unidos”. Eu disse que, “na essência do capitalismo, os dois partidos norte-americanos se equivalem, trocando apenas o interesse corporativo que apoia um ou outro”. Deu no que deu: Obama continuou defendendo os interesses corporativos e interferindo no Oriente Médio. O McCain não faria diferente.
Para um observador medianamente informado, tanto a eleição do Trump quanto a da Hillary Clinton não terá efeito radical. Apenas alguns retrocessos institucionais poderão ocorrer em eventual eleição do republicano, mas nada para assustar o mercado. Quem manda, e manda muito, é o “establishment”, que, ao longo da história norte-americana, sempre balizou o comportamento das instituições sociais, políticas e econômicas. Trump não vai construir o muro na fronteira com o México nem se aproximar muito do Putin, como pensa o norte-americano liberal. Muito menos expulsar mulçumanos e mexicanos, indispensáveis na formação do contingente de mão de obra barata, sempre oportuna para o sistema.
Tem gente que atribui a Obama o reatamento com Cuba. Ele ajudou, mas foi empurrado pelo sistema. Em junho de 2014, depois de uma aproximação diplomática bem conduzida, a Câmara de Comércio Americana visitou a ilha e propôs operar o porto de containers de Mariel, então já financiado pelo Brasil, sendo cerca de U$150 milhões a fundo perdido (matéria publicada no jornal “Valor Econômico”). Assim se explica a aceitação pacífica dos EUA quando Lula aprovou o financiamento do BNDES para a obra ser executada pela Odebrecht. É isso mesmo: investimos em um porto cubano para ser um entreposto de norte-americanos, europeus e asiáticos.
O lobby norte-americano não tem cor ideológica. Da mesma forma que “orienta” o presidente do dia, ele atende aos interesses das grandes corporações, sejam elas formadas por produtores rurais ou pela indústria bélica, esta ironicamente apoiadora dos democratas, cuja representante, Hillary, promete controlar a comercialização de armas. Com Trump ou sem ele, o “estabelecimento” será sempre ativado se e quando ocorrer alguma ameaça aos interesses corporativistas e a posições estratégicas já consolidadas.
Para o Brasil serve qualquer um, já que não somos mais orientados pela estupidez bolivariana. No governo anterior, estávamos focado em um Mercosul falido e sem repercussão, enquanto nossos vizinhos ajustavam acordos bilaterais, principalmente pelo lado do Pacífico. Com um pouco de inteligência e ousadia, podemos utilizar nossas “commodities” agrícolas como instrumento de barganha, tanto na área comercial quanto no ambiente político. Que venha Trump, ou Hillary. Nós precisamos e vamos recuperar nossa liderança política e hegemonia econômica na América do Sul.