PEC 241: 20 ANOS DE ARROCHO E MORDAÇA

Entre tantos, fica difícil, até para analistas profissionais, identificar qual foi o principal erro do PT ao chegar ao poder central do Brasil, embora tenham havido muitos acertos também – ambas constatações são inegáveis. No entanto, acredito ser consensual a afirmação de que entre os principais estão: a decisão de aliar-se às velhas conhecidas raposas da Política nacional como condição sine qua non para chegar ao [e se manter no] poder sem, contudo, pesar (ou mesmo pesando) o ônus de tais alianças, e tentar o impossível: conciliar liberalismo econômico e bem-estar social. Como diria Plínio Arruda Sampaio, “o capitalismo é irremediável. Não há como corrigi-lo. A saída é exterminá-lo”. Ou, como teria afirmado John Kennedy: “Eu não posso lhe dar a fórmula do sucesso, mas a do fracasso é querer agradar a todo mundo”. Lula chegou a se gabar de ter sido seu o governo em que houve a maior distribuição de renda da história do Brasil e, concomitante e paradoxalmente, o mesmo no qual os banqueiros mais lucraram. Obviamente, chegaria o momento que o mundo (principalmente o do capital especulativo) perceberia que essa conta não fecharia. A hora do conflito (ou da publicidade dele) chegaria, e chegou... apareceu a Margarida, olê, olê, olá!

“Mas na Europa essa ‘fórmula mágica’ deu certo”, alguns podem alegar. Sim, deu certo. As perguntas inevitáveis, no entanto, são: por quanto tempo e a que custo? Eu diria que ao custo do saqueamento do terceiro mundo, e apenas até este começar a acordar e se dar conta de que o patinho feio podia virá cisne também. Se não, como se explica as recentes tragédias econômicas da Grécia, Espanha, Portugal, Itália e, mais recentemente, a França, além dos intermináveis conflitos internos da União Europeia?

Talvez, agora, fique um pouco mais claro porque, ao assumir seu primeiro mandato, Lula, ainda no exterior – é bom que se diga –, nomeou para o Ministério da Fazenda não um economista ou administrador de carreira (como é a praxe), mas um médico; e para o Banco Central, um deputado do PSDB, seu adversário eterno. Na verdade, o termo “Lula indicou” é quase apenas força de expressão; o mais correto, talvez, seria dizer “Lula assinou as nomeações”, porque as indicações mesmo foram feitas, do ministro, pelas empreiteiras brasileiras – para articular os bilionários financiamentos de campanha com dinheiro do BNDES e outras estatais –, e a do presidente do BC, pelo FMI, como sempre.

Mas, como destaca Roberto Requião, jornalista e Senador -PMDB/PR, o castelo do imperialismo capitalista ruiu no velho continente e, agora, é preciso encontrar, urgentemente, guarida para os especuladores de ofício. Pelas vias democráticas legais, isso demoraria muito – ou, talvez, tornar-se-ia até desiderato inatingível. O golpe do impedimento presidencial foi a saída. Não que Dilma seja a imaculada ou apenas vítima; a questão foram as motivações escancaradas para a ação.

Com a PEC 241 – a PEC DO ENTREGUISMO –, o tiro de misericórdia será desferido, acabar-se-á a angústia: enquanto as raposas estiverem saciadas, o galinheiro pode permanecer sossegado.

Com a grande mídia amansada pelos contratos publicitários bilionários do Governo e as concessões por tempo a perder de vista, o processo de mundiação da plebe estará garantido e, se a inflação anual passa a ser o indexador dos gastos públicos, qual a razão da existência de mecanismos como: piso nacional salarial, planos de carreira e até mesmo as mesas de negociação? Negociar o que se a lei maior já determina a obrigação máxima dos gestores? Sindicatos? Greves? Manifestações de rua? Pra que? Pra reivindicar o que? Que os governadores e prefeitos transgridam a lei máxima do país? Para exigir que descumpram a Constituição Federal?

O curioso (ou ridículo) é que, pelas alegações do presidente e de seus aliados, os únicos pesos – a desgraça total – da economia do país são os trabalhadores e os serviços públicos. “Se, por vinte anos, arrocharmos a renda dos trabalhadores e negarmos à população atendimentos básicos como saúde e educação, por exemplo, teremos um novo paraíso na terra, e ele se chamará Brasil”, alegam os iluminados da PEC.

Por outro lado, ignora-se, total e propositalmente, a secular necessidade de realinhamento dos gastos exorbitantes com a manutenção dos inumeráveis gabinetes em todos os poderes, em todos os níveis, e a falta de regulamentação justa dos lucros estratosféricos auferidos pelos banqueiros com as mais absurdas políticas de juros que eles mesmos definem, indicando seus administradores para ministros do governo, como o fizeram, agora, o FMI, Bradesco e Itaú, indicando os chefes do Ministério da Fazenda, do Banco Central e do BNDES, não sei se necessariamente nesta ordem.

Além disso, sob chantagem de desgaste de sua imagem, o Governo gasta bilhões em publicidade até mesmo com estatais, como os Correis, para a qual não existe concorrência. E, sob a alegação de que é necessário haver segurança jurídica para atrair investidores – leia-se especuladores – flexibiliza-se as regras financeiras e, para saciar a hercúlea fome do FMI, vende-se o país para arrecadar dinheiro para os novos colonizadores.

No Brasil é assim: o Governo não vai atingir o superávit estipulado, muda-se a lei para que esta se adeque a irresponsabilidade do governante; o presidente quer gastar mais do que o previsto na Lei Orçamentária, altera-se esta para que ele possa gastar mais e como quiser; não há como prender quem rouba dinheiro no Brasil e lava-o no exterior, muda-se a lei, e tornam-se lícitas tais operações, mediante uma partilha: o Governo fica com a parte do dinheiro lavado através de multa e o larápio usufrui do resto... tudo: dinheiro e alma lavados; e, por fim, não há como atender os interesses de quem financia o controle de tudo sem cometer crime contra os verdadeiros donos do país, muda-se a Constituição e pronto: negar salários correspondentes às necessidades mínimas do trabalhador e serviços públicos essenciais básicos passa a ser nada menos que o estrito cumprimento da lei.

O Governo deveria aproveitar e emplacar uma PEC para, determinar, por exemplo, que nenhum trabalhador brasileiro tem direito a moradia, escola pública (com merenda) de qualidade e, principalmente, a salário mínimo que supra as necessidades básicas de uma família, afinal, apesar destas garantias constarem de nossa Constituição, elas jamais foram cumpridas. Portanto, se a regra é ‘lei que não se consegue cumprir é lei que deve ser modificada’, que suas Excelências aproveitem o embalo... poupem tempo e fadiga.

Logo, não é difícil concluir que é mais fácil mudar a lei do que o caráter dos legisladores.

Resta saber se toda essa rasteira foi combinada com a rapaziada que, ao longo das três últimas décadas, vem se acostumando a tirar o pé da senzala e pô-lo na casa grande.

Quem [sobre]viver verá!