SUBTERRâNEOS DA ÉTICA - A vergonha da delação premiada

SUBTERRÂNEOS DA ÉTICA

A vergonha da “delação premiada!

Prof. Dr. Antônio Mesquita Galvão

No Brasil acontecem umas coisas curiosas se não fossem trágicas e imorais, que vistas com olhos da ética formal chegam a revoltar e nos levar a duvidar da instauração de um Estado decente. Eu lecionei Ética na universidade e escrevi dois livros sobre o tema, “Crise da ética” e “Ética cristã e compromisso político” nos quais eu invectivo condutas ilícitas ou distorcidas verificadas em nossa sociedade, sob o viés social, político ou econômico.

Segundo os juristas, a delação premiada é um instituto do Direito Penal que se desenvolveu diante das dificuldades enfrentadas ao longo do tempo para se punir os crimes praticados em concurso de agentes. Esta ferramenta jurídica apresenta registros desde a Idade Média, porém conquistou um lugar de maior destaque com a sofisticação da criminalidade. Essa forma de delação, a plea bargain, ganhou corpo na velha Inglaterra do século XVI para investigar e punir crimes contra a Coroa. No Brasil a delação premiada pode beneficiar o dedo-duro com a) diminuição da pena de 1/3 a 2/3; b) cumprimento da pena em regime semiaberto; c) extinção da pena; d) perdão judicial.

A partir do Brasil republicano sempre existiu essa prática, que ganhou mais notoriedade neste século com os escândalos do “mensalão” e do “lava jato” em que criminosos na esperança de uma redução de pena se voltam contra seus comparsas confessando, muitas vezes, para se livrarem, o que sabem e o que não sabem.

Às vezes é causa de nulidade de um processo, de uma investigação ou escuta telefônica sem que haja uma autorização judicial. A isto eu considero essa exigência um ato legal, sob pena de virarmos uma sociedade de alcaguetes nazifascistas ou cidadãos sob o olhar espião da intelligentsia soviética. O curioso, então, é que o mesmo regime jurídico que torna ilegais as escutas e invasão de domicílios sem respaldo, julgue válida a associação com malfeitores, criminosos e corruptos para investigar crimes que eles mesmos cometeram. Não é porque o bandido “entrega” o resto da quadrilha que ele mereça credibilidade para tomar parte ativa no processo, ou se torna menos bandido. Quando tantos apregoam – inclusive eu – uma ética em crise, a voz do criminoso, por um dispositivo bandalho da lei passa a assumir foros de verdade. Nos subterrâneos da ética constata-se a prática pragmática dos fins que justificam os meios. O cara é criminoso, corrupto ou calaveira, mas para ajudar a justiça ele recebe o placet, como se testemunha honesta fosse. Incentiva-se os jovens às atitudes morais, mas ensinamos a delação premiada que é uma ruptura ética.

Doutor em Teologia Moral

E-mail: kerygma.amg@terra.com.br

Publicado em ZERO HORA 18/09/2016 – p. 26