O GOLPE NECESSÁRIO
Foram infindáveis horas acompanhando o processo de impeachment de Dilma Rousseff. Escutei os argumentos da acusação com entusiasmo, mas precisei encubar dentro de mim toda a mágoa, todo o ressentimento, toda a indignação que tenho ao Partido dos Trabalhadores para poder conseguir ouvir o que tinha a dizer a defesa e ser o mais imparcial possível em meu próprio julgamento.
Foi então que, só após o afastamento da ex-presidente e o início dos trabalhos no Senado Federal, pude perceber o quão fragilizado era o processo em questões jurídicas.
O governo de Dilma transformou-se numa enorme quadrilha que saqueou o pais em tenebrosas transações. Mensalão, Petrolão, Lava-Jato... Enfim, inúmeros escândalos mostraram que a Chefe de Estado e de Governo perdeu totalmente o controle de seus subordinados. Eles, como ratos, percorreram a máquina pública de um lado a outro numa corrida desesperada para saquear o que possível fosse. Tiveram, porém, o devido cuidado de não comprometer a Presidente e não lhe manchar a reputação. Se ele viesse a cair, todos eles cairiam também. Deste modo, apesar dos esforços das polícias, do Ministério Público e do judiciário, em nada se pôde acusar Dilma Rousseff.
Quando o TCU considerou o prática das pedaladas fiscais crime de responsabilidade, eis que surge a chance única de que precisavam os opositores. Mas um detalhe interessante é que as contas de ex-presidentes foram aprovadas pelo mesmo tribunal de contas mesmo com idênticas pedaladas. Até então não eram consideradas criminosas. Era uma prática antiga e corriqueira dos governos anteriores. Dilma, no entanto, não preocupou-se. Afinal, um novo entendimento, uma nova jurisprudência, uma nova norma não poderia retroagir para prejudicá-la. É um direito constitucional de todo cidadão.
O pedido de impeachment foi protocolizado na Câmara dos Deputados e eis o maior infortúnio de Dilma: o então presidente da casa, Eduardo Cunha, era seu maior desafeto político. Justo ele, quem detinha o poder de aceitar ou não tal pedido. O processo foi adiante e não deu outra. Uma vergonhosa derrota da Câmara!
Contudo a decisão da Câmara foi política. Quem analisaria o mérito da questão seria o Senado Federal. Os Senadores passaram de políticos à juízes. Presididos pelo próprio Presidente do Supremo Tribunal Federal, eles deveriam decidir a existência ou não de crime de responsabilidade. Mas seriam realmente apenas juristas no caso em questão? Afinal, se fosse uma decisão estritamente jurídica, o próprio constituinte não teria dado tal incumbência ao Judiciário? Por que preferiu dar-lhe ao Senado Federal? Os senadores então enveredaram-se por um difícil caminho. Muitos deles, assim como a maioria esmagadora da população, sequer sabiam o que eram as tais pedaladas fiscais. Ora, se não sabiam do que se tratava, como saberiam se havia crime de responsabilidade? Mas como tapar os olhos para um “conjunto da obra” tão horripilante? Como voltar atrás? Como deixar que Dilma reassuma a presidência e entregar o país de volta aos seus saqueadores? Pareceu-lhes uma impensável opção! E agora?!
Assim desenvolveu-se um processo juridicamente vergonhoso. Por mais maravilhoso que tenha sido o trabalho de Janaína Paschoal, a acusação não convenceu e os discursos da defesa, na voz firme e contundente de Eduardo Cardozo, causaram dúvidas a todos. Até o mais convencido dos acusadores sentia-se estremecer ao ouvi-lo. Mas o que fazer? Condenaram-na.
Na última hora decidiram preservar-lhe os direitos políticos para que a condenação não fosse tão drástica à vida pessoal da ex-presidente. Talvez essa fosse uma forma de pedir desculpas à Dilma e amenizar a dor na consciência dos julgadores. Afinal, as tais pedaladas não foram crime, mas um mero pretexto para a cassação de seu mandato. Sim, um golpe, mas um golpe necessário.
E quanto à população? Só nos resta aceitar o veredicto. Nos resta engolir esse atentado à democracia. Nos resta abrir mão da segurança jurídica e da soberania popular manifestada nas urnas para alimentar a esperança de ter um pais melhor, uma vez que na atual conjuntura política que vivemos se correr o bicho pega, se ficar o bicho come!