O discurso
Dilma vai ao Senado para o questionamento/julgamento dos senadores. Dentre as citações de seu discurso, pudemos anotar trechos como “muitos votaram contra propostas que sempre defenderam”. Ao que poderíamos contrapor com “muitos se aliaram a pessoas que sempre renegaram” (as aspas são nossas).
Chico Buarque ao lado do ex-presidente Lula tem cheiro de estratégia promocional. No entanto, quem compôs “Apelo” foi Vinicius de Morais.
Observa-se em seu discurso uma retórica perfeita, inquestionável, muito bem fundamentada em posições progressistas e de beneficiamento da nação. Porém, retórica que não se sustenta quando encontramos como seus autores pessoas que se aproximaram e se cumpliciaram com elementos que jamais estariam inclusos, originalmente, na elaboração desse discurso. Fato que se consubstancia na utilização da expressão “ruptura constitucional”, que parece decorrente de motivações encontráveis numa administração marcada pelo oportunismo e conluio com representantes de setores conservadores.
Trata-se de uma contradição fatal.
É possível que não haja dúvidas quanto à idoneidade da ex-presidente. Mas não há dúvidas também de que ela terá sido manipulada e submetida a terríveis pressões por parte dos que dela se acercaram no sentido da manutenção de seus interesses. Estando entre esses os primeiros companheiros, ou os mais influentes, de seu próprio partido. E nesse sentido ela estaria sendo punida indevidamente. Se não fosse a maior responsável por tudo.
Tem-se a impressão de que a ex-presidente foi envolvida por interesses que sempre combateu, mas que se tornaram depois impossíveis de serem combatidos. Dada à importância na administração do país de pessoas sem os mesmos votos esquerdistas que já fizeram ou sem as “marcas dolorosas da tortura” de que já se esqueceram. E que, sem respeito aos ideais democráticos que costumavam observar, passaram a atuar como os quadrilheiros e oportunistas que sempre combateram.
“Não cometi crime de responsabilidade algum”. Essa frase foi repetida inúmeras vezes. Ora, a ex-presidente não precisava se preocupar tanto com atos que não cometeu. A menos que precisasse convencer seus julgadores a que não fosse afastada em definitivo do cargo.
Dilma em seu discurso atribui a nossa crise à saída dos EUA do cenário econômico internacional em certo período. Relaciona o surgimento dos problemas econômicos brasileiros, assim como os dos países emergentes, à conjuntura econômica internacional. Em nenhum momento são feitas alusões aos abusivos desvios de verbas federais como se tais desvios em nada pudessem influir na saúde financeira do país. Os fatores externos ou a crise internacional, portanto, e não a maneira como foi conduzida a sua administração, são os responsáveis pelos momentos de dificuldade econômica da nação. Sob a alegação de que o Brasil não teria como interferir na política do Federal Reserve (Banco Central dos EUA), toda a nossa performance financeira ficaria a reboque da conjuntura econômica internacional. De nada valendo a gestão de nossos executivos.
Dilma ressalta a importância de um “pacto tecido com a população brasileira”. Mais uma figura de retórica, quando se sabe que a população, a rigor, nada decide. Os governantes, de um modo geral, são eleitos pelo sistema financeiro. E quem orienta e promove as ações, programas, aplicações de capital são os políticos que elegemos. O povo não tem participação alguma.
Interessante notar que o discurso de Dilma abrangeu a queda do preço das comodities, o contingenciamento fiscal, as taxas nominais de elevação do câmbio, etc., mas em nenhum momento se referiu aos atos de uma fabulosa corrupção que certamente ajudou a enfraquecer a nossa economia. O que nos deixa a suspeição de que este é um assunto intocável, propenso a motivar determinados senadores, deputados, governadores e outros detentores de poder a continuar atuando da forma ilícita e criminosa como vêm fazendo.
Rio, 29/08/2016