SISTEMA PENITENCIÁRIO: A CRISE CARCERÁIA NO BRASIL

*Sineimar Reis

Os presídios brasileiros, de uma maneira geral, não conseguem promover aos detentos a ressocialização esperada pela sociedade brasileira. O que tem-se observado é que a questão da superlotação e as péssimas condições de vida e de higiene dos presos, dentre outros fatores, contribuem para que as penitenciárias sejam ineficazes para atender ao que a Lei de Execução Penal preceitua, qual seja, a recuperação daquele que está detido por ter cometido determinado crime, transformando, assim, o que deveria ser um centro de ressocialização de criminosos em uma "universidade do crime".

O sistema penitenciário brasileiro, segundo o Sistema Integrado de Informações Penitenciárias (InfoPen) disponibiliza 298.275 vagas para 496.251 presos. Sendo assim encontra-se em média 1, 6 presos por vaga, caracterizando uma realidade inevitável da superlotação nas penitenciárias.

Atualmente, o exílio do preso em penitenciárias marca a marginalização deste, perante a ênfase da responsabilização do crime que cometeu e também da irresponsabilidade do Estado em face do descaso e falta de infra-estruturar econômica e política. Malgrado existirem muitas penitenciárias onde há o descaso, cumpre salientar que 471 destas com o regime fechado e 34 colônias agrícolas e industriais, oferecem e incentivam aos presos formas de trabalho.

De acordo com pesquisas feita pelo InfoPen, foi verificado o grau de instrução dos presos, e os resultados são lastimáveis. Cerca de 6% dos detentos que responderam ao questionário são analfabetos, 13% sabem apenas ler e escrever, 48% tem ensino fundamental incompleto, 12.5% possuem diploma do ensino fundamental, e apenas 1% ingressou em uma universidade. Sendo assim 67% dos presos não possui nenhum diploma. (Ministério da Justiça, Execução Penal, Estatística InfoPen). Com as informações retromencionadas, é evidente que a grande parte dos criminosos não possuem condições tanto culturais, quanto econômicas para acompanhar o desenvolvimento das relações sociais, quedando-se em situações de marginalização perante as novas condições e transformações.

A desestruturação do sistema prisional traz à baila o descrédito da prevenção e da reabilitação do condenado. Nesse sentido, a sociedade brasileira encontra-se em momento de extrema perplexidade em face do paradoxo que é o atual sistema carcerário brasileiro, pois de um lado temos o acentuado avanço da violência, o clamor pelo recrudescimento de pena e, do outro lado, a superpopulação prisional e as nefastas mazelas carcerárias.

Vários fatores culminaram para que as penitenciárias chegassem a um precário sistema prisional. Entretanto, o abandono, a falta de investimento e o descaso do poder público ao longo dos anos vieram por agravar ainda mais o caos chamado sistema prisional brasileiro. Sendo assim, a prisão que outrora surgiu como um instrumento substitutivo da pena de morte, das torturas públicas e cruéis, atualmente não consegue efetivar o fim correcional da pena, passando a ser apenas uma escola de aperfeiçoamento do crime, além de ter como característica um ambiente degradante e pernicioso, acometido dos mais degenerados vícios, sendo impossível a ressocialização de qualquer ser humano.

Segundo pesquisas feitas pelo InfoPen aborda também a faixa etária dos detentos, constatando-se que 57% dos detentos são menores de 30 anos de idade, conotando premissas onde o jovem, pobre, marginalizado e sem amparo social, busca nas entranhas criminais um saciamento para tal condição; baseando-se por um ponto positivo, são jovens que ainda tem a oportunidade de recomeçar, bastando ao Estado proporcionar enquanto estão cumprindo a pena, uma educação moral e profissional que lhes preparem para entrar no mercado de trabalho com uma nova filosofia de vida. Também foi constatado que 4.343 presos são maiores de 60 anos de idade, sendo que 4.079 senhores e 264 senhoras que convivem algumas vezes com presos de alta periculosidade em uma cela superlotada, com um tratamento fora dos parâmetros da dignidade da pessoa humana.

O Brasil é o quarto país do mundo em número de presos e o único desses quatro em que o número só aumenta. Em 1990, o país tinha 90 mil presos. Hoje são 607 mil. a finalidade do sistema prisional deveria ser a inclusão social dos presos. Atualmente, o sistema se preocupa mais com o passado, ou seja, mais com o que o preso fez do que com o futuro. Vale lembrar também sobre as mulheres que: o aumento do número de presas, que é de 567% desde o ano 2000. A maioria das detentas foi presa por tráfico de drogas. A prisão das mulheres desestrutura famílias inteiras, o que facilita a reprodução das condições que resultam no aumento da criminalidade.

O sistema carcerário do país já foi classificado de "medieval" pelo próprio ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo. Entre seus principais problemas estão os assassinatos, a superlotação, a falta de infraestrutura e higiene, os maus-tratos, a atuação do crime organizado e os motins.

As prisões são as responsáveis pela mudança do patamar do crime no Brasil, É importante ressaltar que os infratores da lei que estão afastados da sociedade, voltarão ao convívio social, e foi para a sua reeducação que tal fato aconteceu. Os presídios, cadeias públicas, fundação casa possuem por principal finalidade a reeducação, mas devido não somente a falta de importância do governo, mas também ao preconceito que todos possuem por esses cidadãos, não dando importância a vida digna de cada um deles, visando que essas pessoas não tiveram educação adequada, são deixados de lado, tratados como "animais", não fazendo jus ao art. 5º da Constituição Federal que afirma:

"Art. 5º da Constituição Federal. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, (...)"

Devido a esses fatores e a falhas que o sistema penitenciário possui, os centros de reeducação dos infratores da lei estão sendo utilizados como "centro de aprimoramento ao crime", devido a grande lotação desses centros, onde todos, independente do crime que tenham cometido ficam juntos "trocando experiências". Portanto, a reeducação e a ressocialização dos presos é necessária devido a caracterização de uma sociedade livre, democrática e justa com todos os preceitos constitucionais, da dignidade e da igualdade entre cidadãos que compõem a sociedade. Todavia cumpre salientar que o Estado é ineficaz quanto a estruturação de meios eficazes contra preconceitos existenciais.

A primeira forma de mudar a realidade carcerária seria então fazer o Estado cumprir seu papel de garantir a segurança dos detentos. Mas é mais difícil fazer isso em unidades prisionais enormes e superlotadas. "Unidades (prisionais) pequenas e próximas da comunidade com a qual o detento tem laços: essa é a melhor forma para colaborar com a sua recuperação", afirmou o juiz Luiz Carlos de Resende e Santos, chefe do Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário, um órgão do CNJ (Conselho Nacional de Justiça), atualmente no sistema prisional do país algumas unidades que possuem essas características e poderiam ser tomadas como modelos, na maioria dos casos, o bom funcionamento dessas prisões está diretamente relacionado a uma determinada gestão ou administrador. Por isso, a maioria das boas experiências acaba surgindo e desaparecendo em um movimento cíclico. Ainda assim, algumas delas têm perdurado por anos e estão chamando a atenção dos especialistas do setor.

A SUPERLOTAÇÃO

A macrocomunidade nos presídios é de conhecimento do poder público, no entanto, cada vez mais a população carcerária cresce e poucos presídios são construídos para atender à demanda das condenações. A superpopulação nos presídios representa uma verdadeira afronta aos direitos fundamentais. Nesse aspecto, basta citar o art. 5º, XLIX, da Carta Magna (a qual assegura aos presos o respeito à integridade física e moral), bem como lembrar que a dignidade da pessoa humana é um dos princípios basilares da Constituição. Impende salientar que a própria Lei de Execução Penal (LEP), no seu art. 88, estabelece que o cumprimento da pena se dê em cela individual, com área mínima de seis metros quadrados. Ademais, o art. 85 da LEP prevê que deve haver compatibilidade entre a estrutura física do presídio e a sua capacidade de lotação. Nesse contexto, a superlotação tem como efeito imediato a violação a normas e princípios constitucionais, trazendo como consequência para aquele que foi submetido a uma pena privativa de liberdade uma "sobrepena", uma vez que a convivência no presídio trará uma aflição maior do que a própria sanção imposta. A superlotação no sistema penitenciário impede que possa existir qualquer tipo de ressocialização e atendimento à população carcerária, o que faz surgir forte tensão, violência e constantes rebeliões. No Brasil, a situação do sistema carcerário é tão precária que no Estado do Espírito Santo chegaram a ser utilizados contêineres como celas, tendo em vista a superpopulação do presídio. Tal fato ocorreu no município de Serra, Região Metropolitana de Vitória. A unidade prisional tinha capacidade para abrigar 144 presos, mas encontrava-se com 306 presos. Sem dúvida, os direitos e garantias individuais que o preso possui não foram respeitados. Dessa forma, os presos são literalmente tratados como objetos imprestáveis que jogamos em depósitos, isto é, em contêineres. Afinal, para parte de uma sociedade alienada, o preso não passa de "lixo humano". A demora acentuada na concessão de benefícios aos condenados é um dos fatores que contribuem para a evidente fragilidade do sistema prisional brasileiro. Ademais, o abandono do preso após a condenação é gritante, seja por parte do Estado, seja por parte dos demais operadores do Direito, especialmente os advogados. Para alguns desses defensores, o trabalho já fora cumprido na defesa até o trânsito em julgado da sentença, esquecendo estes dos incidentes de execução ou, se não foram esquecidos, agora já poderão ser tratados pelos advogados mais "simples", tendo em vista que a tragédia maior já aconteceu, qual seja, a condenação, sendo o resto suportável. Nesse sentido precisamos avocar nossas próprias omissões, seja o magistrado na aplicação da pena e demais procedimentos, seja o promotor na acusação, seja o delegado na investigação criminal, seja principalmente o advogado que deve cumprir o seu papel de acordo com os ditames da dignidade da pessoa humana, atento ao seu primordial trabalho na administração da justiça. Incluem-se também os profissionais da área de execução penal (agentes penitenciários) que embora não tenham o reconhecimento de seu trabalho por grande parte da sociedade são essenciais na busca de um futuro de transformações na área carcerária.

De acordo com a socióloga Julita Lemgruber, que aponta uma solução. Para ela, uma maior racionalidade na imputação das penas alternativas e o empenho do Estado na melhoria dos presídios existentes e na construção de novos são fundamentais para resolver o problema. Nesse sentido, a racionalidade da imputação das penas deve ser observada por todos os operadores da sistemática penal, pois algumas penalizações só fazem aumentar a população carcerária e estimular a fábrica de delinquentes. Podemos vislumbrar na prática tal pensamento nos casos em que pessoas ingressam no sistema carcerário após terem cometido um crime famélico (ex.: furtar uma lata de leite). O crime de furto caracteriza crime contra o patrimônio, apenado com reclusão de 1 a 4 anos e multa (art.155, CP) e nos casos qualificados a sanção é de 2 a 8 anos. Eis a indagação: mas até onde existe o animus dolandi quando fica evidente a singular pretensão de saciar o grande legado da pobreza, ou seja, a fome? Tal reflexão coaduna com o seguinte verbete necessitas facit justam quod de jure non est licitum (a necessidade faz justo o que de direito não é permitido). Tal fato ocorre tendo em vista grande parte da população ainda sobreviver abaixo da linha da pobreza. Cabe ressaltar que não convém àquele que furta alimentos a pretensão de aumentar seu patrimônio. Nesse sentido, incide o que a doutrina penal chama de necessitas inevitabilis.

Enfim, a superlotação e suas nefastas consequências encontram-se visíveis a todos da sociedade, não sendo preciso ser um expert em sistema prisional para concluir o evidente déficit de vagas existentes nos estabelecimentos penais. A título de exemplo podemos destacar os dados fornecidos pelo Departamento Penitenciário Nacional, que indicam um déficit de mais de 180.000 vagas em todo o País. São quase 500 mil presos no país, em um sistema prisional que só tem capacidade para 260 mil detentos.

CAPACITAÇÃO

De acordo com pesquisas, há crise por parte do sistema penitenciário, mas também há bons exemplos no setor, como o de Santa Catarina. O estado tem um déficit de 4,7 mil vagas no sistema prisional, que abriga 17,8 mil presos. Nos últimos quatro anos, o estado, que tem prisões consideradas modelo no país, investiu em educação dos presos e capacitação dos agentes penitenciários. Mais de mil detentos se formaram pelo Pronatec e, no ano passado, 1,7 mil se inscreveram para disputar vagas no Enem – Exame Nacional do Ensino Médio.

Edemir Alexandre Camargo Neto, diretor do Sistema Penitenciário de Santa Catarina, afirma que, nesse período, o número de fugas caiu de 525 para 140, assim como o de evasão dos presos que cumprem pena em regime semi-aberto e aberto. A mudança de mentalidade foi facilitada pela criação da Academia de Justiça e Cidadania, que formou 4,7 mil servidores. A capacitação dos servidores, principalmente dos agentes penitenciários, foi apontada como um dos principais fatores para que o sistema prisional passe a ressocializar o preso.

Sineimar Reis
Enviado por Sineimar Reis em 11/08/2016
Reeditado em 11/08/2016
Código do texto: T5725924
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