“SER ESQUECIDO E IGNORADO COMO ESSES NOMES DE RUA”

A Câmara de vereadores da cidade de Patos, Paraíba, reunida, esta semana, rejeitou um Projeto de Lei de Iniciativa Popular que pedia a revogação da Lei Municipal nº 4.274: renomeando como Vidal de Negreiros a Rua que passou a se chamar João Bosco de Araújo desde 04 de novembro de 2013.

Gabriel Garcia Marques diz que nós somos verdadeiramente de um lugar se tivermos alguém que amamos enterrado nele. Assim compreendi o trecho de “Cem anos de solidão.” Pois bem, Vidal de Negreiros (1620-1680) nasceu no Engenho São João, na província de Filipéia de Nossa Senhora das Neves, atual cidade de João Pessoa; foi militar, líder na expulsão dos holandeses da Capitania de Pernambuco. Foi Governador das Capitanias de Pernambuco, Maranhão e do Grão-Pará. Foi também Capitão-Geral de Angola. João Bosco de Araújo foi um comerciante que viveu o tempo todo ali, na Rua Vidal de Negreiros.

Meu avô é também uma Rua, chama-se: Rua Misael de Sousa, é no jardim Guanabara, acho, só sei que de jardim ali não tem nada, sequer vi uma roseira na extensão de canto a canto. Meu avô foi prefeito de Patos por 17 dias quando do afastamento de Clóvis Sátiro em 15 de novembro de 1937, motivado pela implantação do Estado Novo, mas em 02 de dezembro numa prova de resistência ao referido golpe, “Dr Clovis” foi nomeado prefeito pelo Interventor Argemiro de Figueiredo. Assim diz a história politica de Patos. Meu avô que já fora prefeito hoje é uma Rua por onde os seus dias vai dar no esquecimento... e todas as Ruas correm para dentro de nós.

O meu nome é Severino,

Não tenho outro de pia.

Como há muitos Severinos,

Que é santo de romaria,

Deram então de me chamar

Severino de Maria:

Como há muitos Severinos

Com mães chamadas Maria,

Fiquei sendo o da Maria

Do finado Zacarias.

Mas isso ainda diz pouco:

Há muitos na freguesia,

Por causa de um coronel

Que se chamou Zacarias

E que foi o mais antigo

Senhor desta sesmaria

(...)

[Trecho: Morte e vida Severina]

Observe: Pedro, Horácio, Epitácio, Bossuet, Anchieta, Emiliano, Santana, Zacarias, Z´zimo, Antonio, Tirbutino, Titico, Leôncio, Nezinho, Juvenal, Carlota, Basta, Belarmino, Cândido, Paulo, Sebastião, Chiquinho, Terezinha, Crisanto, Elias, Elpídio, Euclides, Zezinho, Zito, Fenelon, Francisco, João, Joaquim, José, Maria, Felizardo, Manoel, Luis, Terto, Oscar, Benjamin, Rui, Deodoro, Felipe, Augusto, Assis, Luzia, Miguel, Palmeira, Solon, Duque, Ló, Peregrino, Tiradentes, Rio Branco, Laranjeiras, Prado, Alto Casteliano, 18 do forte, 7 de setembro, 26 de julho, Panatis, Espinharas... São todos nomes de Ruas. E as vezes as Ruas são becos – intrincados - com seus alinhamentos desordenados; e de definições ordinárias, apenas para dizer que os becos também somos nós...

Morrer tão completamente

Que um dia ao lerem o teu nome num papel

Perguntem: "Quem foi?..."

Morrer mais completamente ainda,

- Sem deixar sequer esse nome.

(Manuel Bandeira)

Patos não é dos Pegas ou Panatis dos Bandeirantes ou Tropeiros não é dos Fazendeiros ou dos Algodoeiros nem dos Comerciantes ou Empreiteiros não é dos Padres nem dos Bispos não é de Frei Damião... Patos não é da professorinha Antonieta do Major Miguel Satyro de Nossa Senhora da Guia... Patos não é de nenhum vereador. Não é de “Beatriz do apito” não é de “Dr raiz” de “Chico Marechel” de “Assis doido” de “açoite”, “Sinézio” ,“Ferreirão” ou “Tranca rua”... Esses são parte do imaginário - por aqui apenas passaram, “não sentiram o frio da desgraça.” Patos não é de Nabor não é de Hugo não é de Francisca não é e Dinaldo não é de Dinaldinho não é de Edna não é de Ivânio não é de Geralda não é de Rivaldo não é de Edvaldo ou de Edmilson ou de Olavo não é de Ernani ou de Mucio não é de Cássio, Ricardo ou Maranhão... Patos pertence a ninguém. E, se repararmos direito, veremos que nós é que pertencemos a ela. Em cada paralelepípedo há uma alegria e uma tristeza:

É ali a Rua de meu primeiro beijo; acolá a Rua onde nasci; aqui passou o cortejo do meu pai; àquela Rua me viu menino; foi naquele trecho onde eu cai... naquele outro eu me ergui. Era esta a Rua que falava comigo; já a Rua que me ouvia era ali; esta outra, a Rua que nunca dormia... e em todas essas Ruas imaginei como voar. Ao longo delas, um sem fim de portas e janelas emoldurando os caminhos; e suas esquinas a zombar de tudo que há no mundo. O rádio a toda altura; as namoradinhas do ginásio; a bicicleta e sua campainha estridente; o chinelo com um prego na "arriata"; o trote da mula em busca do rio atrás de casa... Imagem, som, vida que pulsa e expulsa.

A Rua é o rio a Rua é o cinema a Rua é a praça a Rua é o colégio a Rua é o campinho de futebol a Rua é a igreja a Rua é a bodega a Rua é a feira a Rua é o trem a Rua é o que acredito ter descoberto Mario de Andrade que também deve ser uma Rua agora:

Na Rua Aurora eu nasci

Na aurora de minha vida

E numa aurora cresci.

No largo do Paiçandu [sic]

Sonhei, foi luta renhida,

Fiquei pobre e me vi nu.

Nesta Rua Lopes Chaves

Envelheço, e envergonhado.

Nem sei quem foi Lopes Chaves.

Mamãe! me dá essa lua,

Ser esquecido e ignorado

Como esses nomes de Rua.

As Ruas da cidade de Patos não são feitas de nomes; elas são feitas de vísceras.

Misael Nobrega
Enviado por Misael Nobrega em 01/08/2016
Reeditado em 21/10/2021
Código do texto: T5715728
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