O menino Bidiu
Nacib Hetti
Bidiu era filho de uma empregada doméstica nossa quando a gente morava lá no bairro Santa Tereza. Com cerca de oito anos, ele estava sempre com o nariz escorrendo. Acompanhando a mãe, ele aparecia de vez em quando, e meu pai, como sempre, estendia uma moeda para ele, que virava o rosto para o lado e oferecia a mão no sentido da oferta, dizendo: “Não precisa não, seu Checralla”, repetindo diversas vezes até sentir a moeda na mão.
Transportando a cena para o mundo empresarial e político de hoje, é quase cômico. Imagine um empreiteiro oferecendo uma comissão para um diretor da Petrobrás, e ele respondendo, todo envergonhado: “Não precisa não seu Marcelo”. Nas delações premiadas os citados na Lava Jato, de certa forma, tentam vender a imagem do constrangido, que se viu pressionado a participar de um esquema de corrupção, como um processo corriqueiro de cumprir uma missão que lhe foi delegada pelo político que o indicou. Está dando uma de Bidiu, estendendo a mão sem, no entanto, virar a cara para outro lado. Afinal ele está ali para praticar o ato da espécie.
Estou contando essa história para tentar um corte politicamente pretensioso, procurando graduar o papel dos principais atores no palco da corrupção. Pelas cenas vistas até agora, vejo o político como o ator principal que, ao inserir o dirigente na organização estatal, estabelece, como premissa inarredável, que seu desempenho é medido na proporção da grana ilegal que ele vai conseguir no cargo. Quase imune, e agindo na coxia, o político, mesmo sendo o mais cruel dos protagonistas, raramente sofre o destino dos vilões da literatura de ficção.
O segundo personagem é o próprio administrador nomeado, que se transforma, de ambicioso profissional, num complexo instrumento entre o político e o corruptor, naturalmente pensando em reter algum para suas poupanças. Usa o doleiro como um coadjuvante de luxo para as operações financeiras. A terceira é o corruptor, quase sempre um fornecedor, tem uma estrutura que precisa ser mantida, tornando-se personagem de um sistema achacador que o conduz a um processo de arranjos em concorrências públicas, com resultados previamente ajustados. Quando identificado, é logo criminalizado; pesa o fato de viver numa sociedade onde a atividade empresarial é demonizada.
Não adianta, são todos vilões, num cenário onde os personagens, tal qual num filme de Buñuel, não conseguem sair de um meio pernicioso criado por um ente que não se identifica. Definir responsabilidades em um ambiente criminoso é muito difícil, graduar é quase impossível. Simplificar, dizendo que é um processo cultural, não convence. A peça que ora se desenrola é complicada para um simples indignado, mas é um bom roteiro para o cientista social que, travestido de dramaturgo, teria base acadêmica para montar uma peça não ficcional, mostrando nossas chagas políticas e indicando uma terapia para minorar nossos sofrimentos morais.