Todos perdem

A sabedoria popular expressada no provérbio “o negócio só é bom, quando é bom para ambas as partes” na sua versão mais recente, fez um “upgrade” pra ficar mais “cool”, e na linguagem “coaching” de atualmente vem traduzida no conceito “Up” do festejado “Ganha-Ganha”, e bom seria se todos os “negócios” fossem assim.

Ocorre que problema mesmo é quando algo consegue ser ruim para todas as partes, ai meu amigo, sinceramente, a coisa é de lascar.

No final do ano passado – 17.12.2015 –, o Congresso Nacional aprovou o orçamento geral da União para este ano 2016, ocasião em que o corte de verbas da Justiça do Trabalho foi muito superior a média dos demais, no Poder Legislativo e outros órgãos da Justiça da União, o corte “linear” médio foi de 15% para “custeio” e de 40% para “investimentos” e no Ministério Público o corte foi ainda menor – 7,5% –, ao fundamento de “preservar” as diligências da “Operação Lava Jato”.

Na Justiça do Trabalho a facada foi mais próxima da aorta, a proposta originária era de um cancelamento de 50% das dotações para “custeio” e de 90% dos recursos destinados para “investimentos”, após muito reclamo de entidades como o CNJ, ANAMATRA, ABRAT, entre outras, na redação final o corte de “custeio” ficou em 20% “nominal” mas de 29% na prática – porque foi alterado parte do cálculo do custeio, inserindo nesta rubrica novas despesas obrigatórias como auxílio-saúde, auxílio-alimentação e auxílio-moradia, que não estavam contemplados no primeiro corte proposto –, e, finalmente, o corte nos “investimentos” previstos foi de nada menos que 90%.

Alguém dirá imediatamente “opa, espere ai, nosso país esta em crise, trata-se de um remédio amargo, mas necessário”. Verdade meu amigo, de fato nosso país perpassa por mais uma de suas crises econômicas, mas observe, a diferença entre o remédio e o veneno, é só a dose. Neste caso, tenho certeza, a medicação ministrada foi em excesso e corre o risco de matar o paciente, e se ele morre, não tenha dúvidas, quem vai prantear a partida seremos todos nós, indistintamente.

As notícias vindas de quase todos os 24 Tribunais Regionais do Trabalho de nosso país são de que talvez tenham que fechar as portas no segundo semestre deste ano ante a inexistência de dinheiro para pagamento das despesas de custeios, como energia elétrica, água, telefone, serviços postais e materiais de expediente, entre outros. Em nosso Estado – MS –, o funcionamento já foi alterado para apenas meio expediente, entre 11h e 17h, e a partir de agosto, sequer audiências poderão ser realizadas fora desses horários.

As razões aventadas pelo nobre Deputado Relator do projeto orçamentário para infligir tamanho corte na JT foram, para dizer o mínimo, pitorescas, vejamos: “é fundamental diminuir a demanda de litígios na justiça trabalhista”, quer dizer, de fato não há nada mais estimulante pra isso do que fechar-lhe as portas de vez, e tudo isso, com perdão do aforisma, “seria cômico se não fosse trágico”.

Desconfiada de que tais razões não se justificam em nosso Estado de Direito, a ANAMATRA já interpôs ADIn junto ao STF – n. 5468 –, mas que ainda aguarda julgamento, ou seja, não produziu qualquer efeito prático para resolver o problema, mas também “desconfio” que em se tratando de algo “ruim para todas as partes” o tempo urge para que cada um de nós se posicione e faça algo para resolver esse imbróglio.

É agir, antes de ter que chorar pelo leite derramado.

Ou você duvida que essa medida não é boa pra ninguém?

A despeito das razões deontológicas, axiológicas, jurídicas e republicanas clarividentes à matéria, sendo bem pragmático e utilitarista, na esteira de Jeremy Bentham e John Stuart Mill, podemos concluir que é “ruim” para o Estado, porque nos processos da JT também são arrecadados de ofício para os cofres públicos as contribuições previdenciárias e tributárias incidentes (CFRB, art. 114, VIII), a título exemplificativo, em 2014 foram arrecadados nada menos que R$ 2,8 bilhões, quer dizer, 19% das despesas de toda JT naquele ano, é de longe o órgão do poder judiciário que mais arrecada para a União, restringir sua atuação é um paradoxo, como se você, para cortar despesas de combustível e deslocamento até o trabalho, se despedisse de seu emprego.

É igualmente ruim para os Empresários, a despeito da sedução inicial que o argumento de “reduzir” o número de lides trabalhistas possa parecer, uma análise crítica e mais aprofundada sobre a matéria não deixa dúvidas disso.

Há um “risco moral” adjacente a precarização das condições de trabalho, o número acentuado de processos trabalhistas propostos a cada ano faz prova disso, o empresário que desobedece as regras trabalhistas, vulnera o mercado em que esta inserido, tem uma margem de lucros maior que a sua que paga corretamente seus empregados, em última análise, o grande prejudicado é você empresário que cumpre corretamente seus deveres, fragilizar o estuário protetivo trabalhista e de correção dessas situações, simplesmente termina por premiar este seu “concorrente desleal”.

Finalmente, à toda evidência, é ruim para os Trabalhadores, sobretudo considerando que estamos vivenciando mais um momento de crise econômica, quando, ver fechadas as portas daquele ente que pode ser o último recurso para o lenitivo desse período de dores, é verdadeiramente catastrófico.

Enfim, estamos todos neste mesmo balaio, seja sendo Estado, Empresário ou Trabalhador, não tem “Ganha-Ganha”, nesta fórmula, todos perdem.