Fuga da inteligência
Fuga da inteligência
Nacib Hetti
Duas matérias publicadas na Folha, em um mesmo dia, de duas figuras importantes da República, põem em cheque a pouca importância que o Estado está dando à absorção da nossa inteligência científica. A primeira do cientista político Mangabeira Unger, fazendo uma crítica objetiva sobre a economia do atual governo, priorizando o consumo e as commodities. Usando sua própria expressão: O Brasil foi “buscar no chão a riqueza que a inteligência não se preparou para produzir”. “A agropecuária e a mineração pagaram a conta do consumo”. A consequência do descaminho econômico é o abandono da tecnologia e a exportação das nossas cabeças pensantes para servir a outras praças. Nós investimos na formação dos jovens para exporta-los para os países desenvolvidos.
A segunda matéria, do ex-presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, bate na mesma tecla. No passado (décadas de 80 e 90) o êxodo para países como Estados Unidos e Japão era constituído de jovens sem formação técnica, que procuravam empregos de qualquer nível, escassos no Brasil de então. Agora, com pouca intensidade, mas preocupante, estamos assistindo a uma tendência dos nossos técnicos de nível superior, na busca de oportunidades no exterior, drenando “o Brasil de cérebros com qualificação técnica e competência”. Segundo ele está evidente o desânimo dos jovens com a política, a corrupção, a insegurança e a desconfiança do futuro.
Até os anos 80 do século 20, a esquerda dos países do 3º mundo, ali incluído o Brasil, gritava aos quatro ventos sua indignação pela “divisão internacional do trabalho”, onde os desenvolvidos seriam produtores de tecnologia e os subdesenvolvidos seriam meros fornecedores de matéria prima. A esquerda de então abraçou a teoria econômica da “causação circular”, elaborada pelo cientista social Gunnar Myrdal, que defendia a tese segunda a qual os países subdesenvolvidos se perpetuariam na mesma condição, criando um círculo fechado gerando pobreza pela própria pobreza, a ser quebrado pela introdução de políticas econômicas com alto grau de absorção de tecnologia. Com a globalização o conceito se esgotou, mas a realidade pode se impor.
Hoje o Brasil está a reboque da tecnologia alheia. Um exemplo são os nossos remédios, que dependem, não só da tecnologia, mas também da importação das matérias primas para a química farmacológica. E nossos cientistas estão fazendo pesquisa no exterior. Os poucos que aqui ficam lutam por verbas para pesquisa e pela falta de condições intelectuais, já que os mestres e orientadores estão se indo. Na área das ciências sociais, formação da nossa governante, estamos perdendo substância. O Brasil hoje é “pensado” por cientistas estrangeiros. Nossos intelectuais, dependentes da renúncia fiscal, fingem de mortos, como se estivesses em um palco gigante.
Na década de 50 e 60 do século passado, o Brasil pensava maior. Cientistas sociais como Celso Furtado, Florestan Fernandes, Caio Prado Jr. e outros, analisaram nossa realidade e criaram instrumentos propondo mudar o rumo da nossa economia. A criação dos programas de desenvolvimento regional e setorial foram instrumentos importantes de intervenção no nosso “circulo vicioso” em que se arrastava a sociedade brasileira. Hoje ainda temos uma base experimental importante e algumas cabeças disponíveis para orientar nosso norte na busca do desenvolvimento tecnológico. Vamos segurar os “fugitivos”.