Intromissão
Intromissão
Publicado em 31/05/16 no blog Diário do Poder, Brasília/DF.
É saber corriqueiro que, num regime democrático, os três poderes são "harmônicos e independentes": o Legislativo ("o supremo poder"), o Executivo e o Judiciário. No entanto, convido aos que me leem que meditem um pouco, sobre fatos freqüentes que estão acontecendo e que, com a continuidade, perturbarão muito o viver democrático que se quer cada vez mais aperfeiçoado.
O Supremo Tribunal Federal, nos últimos meses, por omissão, incompetência e covardia do Poder Legislativo, tem se imiscuído na intimidade do funcionamento e da organização tanto da Câmara dos Deputados como na do Senado Federal. Não há duvida de que quando o Congresso Nacional aprova uma Lei inconstitucional o Supremo Tribunal Federal deve se pronunciar, tornando a Lei ou seus artigos específicos inexistentes, pois agridem a Constituição. Agora, quando o Supremo Tribunal começa a interpretar regimentos internos, sistemática de votações, deliberar sobre atos próprios, por exemplo, do Presidente da Câmara, então temos um problema sério pois são, inequivocamente, atos próprios de autonomia do Poder Legislativo, previstos na Constituição. É de se pressupor que nem todos brasileiros são analfabetos e também sabem ler...
Se é para alguém barrar a evidente canalhice que está em movimento, tudo bem - vamos para uma revolução radical, mudando tudo que está errado. Sabemos que tal atitude não conduz a bons resultados libertários e democráticos, pelo contrário. É preciso, muito necessário que alguma instituição ofereça exemplos, testemunhos de profunda adesão e crença no valor dos princípios, dos pressupostos dos valores morais que balizam a vida e a organização de uma sociedade.
Na contenda política menor, na "queda de braço" que atualmente se verifica entre ridículos membros dos frágeis partidos políticos, cada um tentando, apenas, maior tempo de exposição na mídia com vistas às próximas eleições; disputas entre um Executivo medíocre e até pouco tempo corrupto e um Congresso precário em todos os sentidos, presidido por um notório Deputado truculento, mentiroso e desonesto; à falta de vozes morais reconhecidas nacionalmente para condenar todo este triste espetáculo, o Supremo Tribunal passa a ocupar o espaço político criado e a ser a única Instituição da Republica reconhecida como bússola segura para orientar a nação. Por isso mesmo é que muitos esperam que Supremo Tribunal seja mais comedido nas suas atuais evidentes intromissões, no espaço próprio do Poder Legislativo, tendo como fronteira de ação, apenas, sua própria sabedoria jurídica e prudência histórica. Preocupa-nos esta demasiada excitação jurídica com suas decisões inapeláveis que, no médio prazo, poderão vir a ser um obstáculo de difícil transposição para que possamos aperfeiçoar a nossa Republica, a nossa sociedade, o Estado Democrático de Direito.
Não queremos canalhas legislando, nem leis ilegítimas e inconstitucionais, mas também repudiamos autoritarismos jurídicos e a chamada judicialização do Poder Legislativo. Ensinavam os antigos e permanentes mestres: "suma jus suma iniura..."
Eurico Borba, 75, aposentado, escritor, ex Vice Reitor, Diretor do Departamento de Economia e Professor Associado da PUC RIO, ex Presidente do IBGE, ex Diretor Geral da Escola de Administração Fazendária, ex Secretario Geral Adjunto do MEC. Mora em Ana Rech, Caxias do Sul, RS