O golpe burlesco de Dilma Rousseff

Dilma Rousseff e seus seguidores gostam de apregoar que o processo de impeachment em curso é um golpe. Baseia-se tal alegação no pressuposto de que as causas que o desencadearam, as pedaladas fiscais (manobras ilegais de recursos públicos em volume gigantesco para fins eleitorais que impactaram a economia do país), são fracas demais para justificá-lo. Alegam que outros governos fizeram ou fazem o mesmo. Entretanto, o volume reduzido de recursos que os governos anteriores manejaram isenta-os do crime de responsabilidade porque não teve fins escusos nem afetou a economia. Já o volume de recursos manobrado pelo governo Dilma (segundo a investigação em curso, na casa de quase uma centena de bilhões de reais) não se compara aos anteriores porque foi tão grande, irresponsável e prejudicial para o país (causando um desastre econômico pelo qual está pagando ou pagará todo o povo brasileiro, que hoje está com 11 milhões de desempregados, vítimas do fechamento de milhares de empresas) que as manobras foram classificadas como crime de responsabilidade fiscal, como previsto na Constituição Federal. Podemos usar aqui uma metáfora. Se um ladrão roubar alguns pães da padaria para matar a fome dos seus filhos, é certo que dificilmente será condenado por um juiz ou pela população, já que a causa do crime se justificou (crime chamado furto famélico - para matar a fome) e até o dono da padaria poderá perdoá-lo porque seu prejuízo foi mínimo. Mas se esse ladrão roubar todos os pães da padaria com a finalidade de vendê-los e lucrar com eles (uso eleitoral do governo Dilma), causará um grande prejuízo para o dono da padaria (O Brasil), um crime pelo qual deverá ser penalizado porque a padaria pode ir à falência com sua ação irresponsável e francamente imoral.

Mas a causa real pela qual Dilma Rousseff está sendo apeada do poder concentra-se na percepção óbvia de todos de uma personalidade desonesta, ardilosa, disposta a tudo para agarrar-se ao poder, refletida tanto nas pedaladas fiscais como em outras diversas ações suas (como no estelionato eleitoral e na mais recente tentativa de obstrução da justiça, ao buscar inutilmente blindar o ex-presidente Lula contra esta).

O grotesco episódio da tentativa de anular o processo de impeachment na semana passada, através de um deputado federal de baixíssima qualificação, reforça ainda mais essa percepção nada abonadora que todos estão tendo sobre a personalidade da presidente. Provavelmente será visto pela história como o episódio que selou de vez o seu destino.

Na penúltima segunda-feira, em 09/05/2016, às vésperas da votação no Senado Federal da admissibilidade do impeachment da presidente Dilma Rousseff, com todos os prognósticos indicando a sua aceitação, após a sua aprovação em 17/04/2016 pela Câmara dos Deputados por larga margem, o Brasil e o mundo foram surpreendidos com a decisão estapafúrdia de um deputado desconhecido até então, Waldir Maranhão (PP-MA), presidente interino da Câmara dos Deputados, de anular a decisão histórica da Câmara.

Considerando-se a gravidade do que estava em jogo (uma decisão sobre a admissibilidade do impeachment de uma presidente da República, aprovada e amparada por uma ampla maioria do plenário da Câmara, pela imprensa e pela maioria da população), estava claro, para qualquer um com um mínimo de discernimento ou de inteligência mesmo, que a decisão monocrática de Waldir Maranhão de anular o processo de impeachment tinha tudo para dar errado, como de fato deu (o deputado, pressionado pelos parlamentares, pela opinião pública e pela negativa do presidente do Senado, Renan Calheiros, em parar o processo de impeachment em andamento no Senado, poucas horas depois revogou o próprio ato). Depois do desastre que provocou para os governistas, pois a ação pode ter aumentado a aversão da sociedade a eles e os votos no Senado a favor da admissibilidade do impeachment, ficou no ar a pergunta que não queria calar: por que Waldir Maranhão tomou essa atitude desastrada que estarreceu o Brasil e o mundo? De início, provavelmente insuflada pelos governistas, que perceberam a monumental bobagem que haviam cometido, correu a versão de que Waldir Maranhão fora incentivado por Eduardo Cunha, o presidente afastado da presidência da Câmara pelo STF, que teria a intenção de tumultuar o processo de impeachment porque não tivera o apoio de Michel Temer e do PMDB no processo que o afastou do cargo que ocupava. Essa versão foi logo descartada por todos, pela óbvia percepção de que Eduardo Cunha, mesmo um réu no STF envolvido em graves acusações, não teria por que querer anular um processo que, como adversário da presidente Dilma, iniciou e conduziu com um empenho incomum. E a versão foi descartada também pelo que veio a se saber depois: tudo fora arquitetado pelo deputado federal Silvio Costa (PTdoB-PE), em conluio com o governador do Maranhão Flávio Dino (PCdoB-MA), que prometera cargos e futuro apoio político a Waldir Maranhão, e com o Advogado-Geral da União, José Eduardo Cardozo.

Agora Ricardo Noblat, no jornal O Globo, traz uma informação a mais sobre o episódio que desabona ainda mais o caráter da presidente afastada Dilma Rousseff.

Naquela manhã de segunda-feira, Dilma fazia um discurso no Palácio do Planalto para a militância e insuflou os ânimos da galera ao lembrar que nos celulares havia a informação sobre a decisão de Waldir Maranhão, mas que deviam se acautelar porque ela não era oficial. Ricardo Noblat, ao revelar que Dilma já sabia de tudo mostra que seu pedido de cautela ao público era apenas uma artimanha preventiva para desvincular-se de qualquer responsabilidade sobre a manobra, caso esta, arquitetada por ela e seus subordinados, desse errado, como deu. Este ardil sutil para escapar de futuros julgamentos (um cacoete talvez herdado do seu mentor Lula, que incorporou em si o já folclórico e nada decente adjetivo de quem "nunca sabe de nada") mostra o caráter desonesto de Dilma, que gosta de apregoar sua lisura no comportamento pessoal.

Essa tentativa burlesca de interferir no processo de impeachment insere-se apenas como mais um no rol de tiros no próprio pé que Dilma e seu governo têm dado nos últimos tempos, como a já notória tentativa de Dilma de trazer Lula para o ministério, para protegê-lo do juiz de primeira instância Sérgio Moro e, ao mesmo tempo, trazer algum ânimo a seu governo combalido. Estas tentativas esdrúxulas, inexequíveis e patéticas têm, me parece, uma única explicação: o desespero de uma presidente arrogante, totalmente alheia à realidade, querendo aferrar-se a todo custo a um cargo que lhe escapava inexoravelmente das mãos.

Cabe aqui, pois, neste momento, um alerta à sociedade brasileira, que tanto ansiou por este afastamento da presidente, anseio revelado enfaticamente na maior manifestação contra um governo já registrada no Brasil, a já histórica manifestação de 13 de março de 2016. O impeachment não é um fato consumado. O processo está em andamento, embora tudo indique que dentro de seis meses ele seja enfim aprovado no julgamento pelo Senado Federal. Mas a presidente Dilma Rousseff está no Palácio da Alvorada, nos bastidores, atrás dos holofotes, livre para articular golpes baixos contra o governo interino do presidente em exercício Michel Temer. Dado seu caráter inescrupuloso, aqui revelado, não estamos livres de surpresas pelo caminho, como a que tivemos na penúltima segunda-feira. Daí a necessidade de que a sociedade, a imprensa em especial, acompanhe detidamente os passos do julgamento no Senado, fazendo uma severa vigilância para que quaisquer ações vindas do agora andar subterrâneo do poder não venham a traumatizar ainda mais a já esgotada sociedade brasileira.

Veja abaixo o texto de Noblat que mostra a participação de Dilma Rousseff no caso.

No Blog do Murilo de 16/05/2016:

O GLOBO - 16/05

O golpe abortado

RICARDO NOBLAT

Na manhã da última segunda-feira, depois de repetir que era vítima de um golpe e de excitar barulhentos militantes do PT reunidos para ouvi-la no Palácio do Planalto, a presidente Dilma disse que tinha um importante comunicado a fazer: Waldir Maranhão (PP-MA), presidente em exercício da Câmara dos Deputados, acabara de anular o resultado da votação que ali, em 17 de abril, aprovara o impeachment. “EU SOUBE AGORA, da mesma forma que vocês souberam”, comentou Dilma. “Apareceu nos celulares de todo mundo que o recurso foi aceito e o processo suspenso. Eu não tenho essa informação oficial. Estou falando porque eu não podia fingir não saber da mesma coisa que vocês estão sabendo. Mas não é oficial. Não sei as consequências. Por favor, tenham cautela.”

O recurso que ela mencionou, assinado por José Eduardo Cardozo, Advogado-Geral da União, pediu a suspensão do processo de impeachment na Câmara, acusando-o de estar repleto de erros. Ignorado por Eduardo Cunha, então presidente da Câmara, o recurso acabara aceito por Maranhão. Com isso, ficava ameaçada a votação do impeachment pelo Senado naquele mesmo dia.

Dilma mentiu aos militantes do PT e aos que a escutaram país afora. Ela não soube pelo celular do que fizera Maranhão — soubera antes. A informação que ela tinha era oficial, ao contrário do que afirmou. Ela estava farta de saber, sim, quais seriam suas consequências. E tudo por um motivo muito simples: a tentativa de golpe contra o impeachment era comandada diretamente por ela.

Em troca de três cargos, um deles a presidência da Companhia de Desenvolvimento do Vale do São Francisco, e de apoio à sua candidatura ao Senado em 2018, Maranhão votara contra o impeachment. Assumiu a presidência da Câmara quando dali foi retirado Cunha por ordem do Supremo Tribunal Federal. Desde então, passara a ser assediado para ajudar o governo ainda mais.

A ideia de acatar o recurso de Cardozo foi levada a Maranhão pelo deputado Sílvio Costa (PTdoB-PE), o mais feroz pitbull do governo na Câmara. Ele admitiu examiná-lo. No sábado 7, Maranhão voou ao seu estado e discutiu a ideia com o governador Flávio Dino (PCdoB). No domingo, acompanhado por Dino, voltou a Brasília e jantou com ele e Cardozo no apartamento de Costa.

Enquanto jantavam, o vice-presidente Michel Temer telefonou três vezes para Maranhão. Os dois haviam combinado encontrar-se naquela noite. A cada ligação de Temer, Maranhão mostrava o celular a Cardozo como prova de que seu passe, doravante, valeria ouro. O jantar terminou quando Maranhão assentiu em anular o impeachment. Em seguida, foi levado à presença de Dilma.

No palácio da Alvorada, durante animada conversa regada a vinho chileno, Maranhão ouviu Dilma perguntar a Cardozo: “E Renan? Ele sabe?” Cardozo respondeu que sim. De Renan, como presidente do Senado, dependeria o êxito do golpe. Se ele referendasse o ato de Maranhão, ou se pelos menos o acolhesse para futura decisão a respeito, o impeachment empacaria.

Ao despedir-se de Dilma, Maranhão pensou que iria para casa. Não deixaram. Com receio de que ele fosse localizado por Temer e cedesse à tentação de aderir a ele, Cardozo, Dino e Costa convenceram-no a passar a noite no Hotel Golden Tulip, onde Lula costumava hospedar-se. Foi lá que ele assinou o ato redigido por Cardozo, e recusado por Renan, de anulação do impeachment.

Paulo Tadao Nagata
Enviado por Paulo Tadao Nagata em 18/05/2016
Reeditado em 13/11/2016
Código do texto: T5639438
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