PARA QUEM OS CIRCOS SOBRAM?
PARA QUEM OS CIRCOS SOBRAM?
¨Le Brésil n’est pas un pays serieux¨ – ¨O Brasil não é um país sério¨. Esta frase, popularmente atribuída a Charles de Gaulle, vem muito bem a calhar em momentos recorrentes da história nacional. Sucede que, embora pudesse ter dito sem receber muita contestação embasada, De Gaulle nunca disse que o Brasil não era um país sério. O autor da frase é o diplomata brasileiro Carlos Alves de Souza Filho, embaixador do Brasil na França entre 1956 e 1964, genro do presidente Artur Bernardes.
Mesmo considerando a irrelevância de quem a pronunciou, o fato é que ela tem resumido o cotidiano histórico brasileiro desde que o vigia da esquadra de Cabral gritou ¨terra à vista¨ quando estava pendurado na pequena cesta no alto do mastro central do navio e que, segundo a Academia Portuguesa de Letras, era conhecida por ¨caralho¨ - lugar de castigo para aqueles marinheiros que cometiam infração à bordo.
Nesse citado cotidiano, os aspectos de natureza política e econômica tem se sobressaído para dar justificativa à frase em referência no inicio do texto, porém não se pode deixar de considerar o aspecto de ordem social, principal base formadora desse intrincado processo. Em verdade, a condição política determina o comportamento econômico e esses dois são sustentados, num país democrático (e também não democrático), pela consciência social formadora do povo de uma determinada nação.
No caso do Brasil, essa sustentação tem levado o país a inúmeras situações que fragilizam o sistema normativo constitucional e sua democracia, lesando indelevelmente as instituições públicas e privadas, chegando finalmente ao indivíduo, atingindo-o nas suas prerrogativas essenciais de cidadão e necessidades básicas de direito como ser humano.
Parece que nesses quinhentos e dezesseis anos anos de existência, a nação brasileira, através de seus políticos, conseguiu se superar no seu comportamento brincalhão.
Particularmente não vejo o Brasil como um país de brincadeiras, no que pese o espírito festivo incrustado na alma do povo brasileiro e que lhe confere a fama de um povo dócil e alegre, de boa convivência e de paz.
Tenho comparado as venturas e desventuras políticas tupiniquins representadas pelo Congresso Nacional a um circo. Este sim, um lugar coletivo que reúne artistas de diferentes especialidades, como malabaristas, contorcionistas, equilibristas, ilusionistas e PALHAÇOS. Não obstante, sabemos que o circo deve ser uma casa de espetáculos a ser levada a sério, não só pela sua formação histórica como pela sua importância nas sociedades humanas.
Infelizmente os artistas deste circo nacional não estão levando a sério o espetáculo e insistem em se apresentar como num filme de pastelão, não respeitando o respeitável público. Temos assistido diariamente a uma sucessão de palhaçadas de natureza político judicial de fazer inveja aos criadores de ¨O Gordo e o Magro¨, ¨Os três Patetas¨ ou aos melhores momentos do brasileiríssimo ¨Os Trapalhões¨.
Quando pensamos que chegamos no auge dessa impressionante e quase inacreditável bufonaria naquele fatídico dia de votação pelo impeachment, vem essa nova cena pseudo ficcional onde o representante do senado não acata decisão do presidente em exercício da câmara dos deputados, que não reconhece como legal a votação do impedimento pelos seus próprios pares, voltando atrás logo em seguida.
Independente das opiniões partidárias e ideológicas, o que se discute é o ordenamento jurídico brasileiro, claramente disposto na constituição e que os juristas e magistrados, agindo de forma tendenciosa, para um ou outro lado, no interesse de pessoas, grupos ou lobbies, defendem com uma hermenêutica de fazer inveja ao mendigo da praça.
E para quem sobra esse circo? Com certeza para o povo desprovido de segurança, educação e saúde, como aquela menina de onze anos de idade portadora de paralisia cerebral, atendida quarta feira passada, dia 04/05/2016 num hospital de periferia, com insuficiência respiratória grave e que não teve a chance de ser tratada adequadamente pela falta de equipamentos, medicamentos salvadores e um transporte eficiente e tempestivo para centro hospitalar de maior complexidade, pois a saúde pública (e também privada) está passando por uma de suas maiores crises, sem precedentes na história recente do Brasil.
Enquanto isso em Brasília, analistas e cientistas políticos estimam que mais de dois terços dos parlamentares do Congresso Nacional e pelo menos metade dos ministros do STF merecem ir pro ¨caralho¨.
Marco Antônio Abreu Florentino
Médico e Filósofo
https://youtu.be/2Q9MTJokc4A